Otis
Do outro lado do Atlântico, emergia uma voz negra incomparável. Ainda numa fase em que os cantores negros eram claramente discriminados, era tarefa hercúlea para alguém daquela raça impor-se. Mesmo os grandes nomes do jazz viviam em situação quase miserável, à excepção de dois ou três eleitos.
E Otis Redding acabou por ser deles à custa de muito trabalho, persistência, mas sobretudo, de talento. Mesmo assim foi difícil e lenta foi a sua ascensão, apesar das suas qualidades vocais excepcionais. Vindo das escolas naturais dos negros, os Espirituais das igrejas, tinha uma voz imponente, com uma amplitude impressionante que percorria a escala de alto a baixo sem qualquer dificuldade. Lembro-me que por essa altura os Animals vieram dar dois concertos ao Monumental, o que era um verdadeiro acontecimento, visto que por esses tempos Portugal estava completamente fora de qualquer mapa de tournés dos grandes nomes da cena musical. Como é sabido, o português tem aquela tendência muito sua para fazer tudo em cima do joelho e depois há problemas. Foi o que aconteceu, de repente o sistema de som deixou de funcionar, os microfones não soltavam um pio e o Eric Burdon estava possesso. Depois de duas ou três ameaças de abandono de palco debaixo de enormes vaias, o desesperado vocalista deitou fora o micro, e metendo as mãos ao lado da boca, fazendo assim um megafone improvisado megafone, começou a cantar. E a demonstrar que o micro afinal era quase dispensável. Foi um alarde extraordinário e que deixou a malta ao rubro. Lembro-me que me virei para um amigo a meu lado e lhe sussurrei:
- Imagina que era o Otis, com aquele vozeirão!. O Monumental vinha abaixo!
De realçar que Otis foi o primeiro cantor negro a actuar no Festival de Monterey, o que numa época em que a discriminação racial estava na ordem do dia, já quer dizer alguma coisa.
Durante dois/três anos, foi o rei da Soul music, ao lado da grande Carla Thomas, com a qual aliás, gravou pelo menos um disco em dueto, mas a sua carreira acabaria abruptamente, desaparecendo num trágico acidente de avião. Nunca mais me esqueci da emoção que senti quandonuma tarde fria de Dezembro, ouvi a voz do locutor do Em Órbita (não tenho a certeza se já era o Cândido Mota), a anunciar o infausto acontecimento
Como legado, deixou canções intemporais como Try a Little Tenderness, These Arms of Mine, Fa-fa-fa-fa ou Respect. Mas acima de todas, aquela porque todos os que viveram a sua geração sempre o recordarão, e que, tendo sido editada postumamente, foi o seu maior êxito: Sittin’ on the Dock of the Bay
Banda sonora: (Sittin'On) The Dock of the Bay– Otis Redding
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