sexta-feira, junho 17, 2005

Otis

Do outro lado do Atlântico, emergia uma voz negra incomparável. Ainda numa fase em que os cantores negros eram claramente discriminados, era tarefa hercúlea para alguém daquela raça impor-se. Mesmo os grandes nomes do jazz viviam em situação quase miserável, à excepção de dois ou três eleitos.
E Otis Redding acabou por ser deles à custa de muito trabalho, persistência, mas sobretudo, de talento. Mesmo assim foi difícil e lenta foi a sua ascensão, apesar das suas qualidades vocais excepcionais. Vindo das escolas naturais dos negros, os Espirituais das igrejas, tinha uma voz imponente, com uma amplitude impressionante que percorria a escala de alto a baixo sem qualquer dificuldade. Lembro-me que por essa altura os Animals vieram dar dois concertos ao Monumental, o que era um verdadeiro acontecimento, visto que por esses tempos Portugal estava completamente fora de qualquer mapa de tournés dos grandes nomes da cena musical. Como é sabido, o português tem aquela tendência muito sua para fazer tudo em cima do joelho e depois há problemas. Foi o que aconteceu, de repente o sistema de som deixou de funcionar, os microfones não soltavam um pio e o Eric Burdon estava possesso. Depois de duas ou três ameaças de abandono de palco debaixo de enormes vaias, o desesperado vocalista deitou fora o micro, e metendo as mãos ao lado da boca, fazendo assim um megafone improvisado megafone, começou a cantar. E a demonstrar que o micro afinal era quase dispensável. Foi um alarde extraordinário e que deixou a malta ao rubro. Lembro-me que me virei para um amigo a meu lado e lhe sussurrei:
- Imagina que era o Otis, com aquele vozeirão!. O Monumental vinha abaixo!
De realçar que Otis foi o primeiro cantor negro a actuar no Festival de Monterey, o que numa época em que a discriminação racial estava na ordem do dia, já quer dizer alguma coisa.
Durante dois/três anos, foi o rei da Soul music, ao lado da grande Carla Thomas, com a qual aliás, gravou pelo menos um disco em dueto, mas a sua carreira acabaria abruptamente, desaparecendo num trágico acidente de avião. Nunca mais me esqueci da emoção que senti quandonuma tarde fria de Dezembro, ouvi a voz do locutor do Em Órbita (não tenho a certeza se já era o Cândido Mota), a anunciar o infausto acontecimento

Como legado, deixou canções intemporais como Try a Little Tenderness, These Arms of Mine, Fa-fa-fa-fa ou Respect. Mas acima de todas, aquela porque todos os que viveram a sua geração sempre o recordarão, e que, tendo sido editada postumamente, foi o seu maior êxito: Sittin’ on the Dock of the Bay

Banda sonora: (Sittin'On) The Dock of the BayOtis Redding

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