quinta-feira, dezembro 13, 2007

E agora, para algo completamente diferente..

Este ano de 1965 foi de grande mudança, a nível pessoal, especialmente na minha pacata vida de estudante.
Após uma meteórica passagem de 15 dias pelo Liceu Gil Vicente, o meu percurso liceal limitara-se às paredes do Liceu Normal de Pedro Nunes, trocado então nesse longínquo ano pelas do Passos Manuel.
Os meus sentimentos pelo liceu Pedro Nunes - entidade abstracta, entenda-se - ainda hoje são um misto de saudade/desprezo. Foram anos de grande aprendizagem, não só de conhecimentos, mas também de relações pessoais e institucionais. Mas ao mesmo tempo, foi lá que me apercebi que não era preciso ir até às Índias para conhecer a separação de castas.
O Pedro Nunes desses tempos, era como que a “montra” do regime. As regras iam desde a obrigatoriedade de usar gravata (o que para um rapaz de 11 ou 12 anos é mais ou menos uma coisa “chata”, mas que para um de 14 ou 15 passa a ser uma abominação), até à proibição de jogar futebol nos recreios, ou sequer de o praticar durante as aulas de Educação Física. Isso mesmo! Podia-se jogar basquete, andebol ou badminton. Futebol, nunca!. Diga-se que tal sempre me foi um bocado indiferente uma vez que nunca fui grande espingarda a jogar com os pés, mas irritava-me a limitação imposta, até porque não tinha explicação aparente, embora saiba hoje que tinha a ver com a perspectiva que a inteligentzia de então tinha sobre quais os desportos mais adequados á sua elite juvenil. Ora o futebol é reconhecidamente um desporto de massas, e à altura, praticado quase exclusivamente por analfabetos, quando muito, por mocetões que acabavam a custo a 4ª classe.
O Pedro Nunes era um exemplo de segregação. As turmas eram seleccionadas rigorosamente. Era sabido que a turma A de cada ano era poiso para os filhos dilectos do regime. Da turma A do 6º ano, por exemplo, faziam parte o Marcelo Rebelo de Sousa, o Mega Ferreira, outros insignes com Ricciardi e Coutinho no nome, e as notas não tinham qualquer peso. Da B, faziam parte os que não cabiam na A e mais os que tinham tido melhores notas no ano anterior. Da C para a frente - normalmente ia até à E ou F - era mais ou menos à molhada. Digamos que da A faziam parte as certezas, da B as esperanças, e das restantes…o resto. Por curiosidade, no meu último ano de Pedro Nunes, anterior portanto ao meu exílio dourado no Passos Manuel, o Liceu Normal deixara de ser um liceu exclusivamente masculino, e passara a integrar (na turma A do 6º ano, pois claro, aquele em que MRS era cabeça de cartaz ) 10-meninas-10! Aquilo no meio de umas centenas de rapazes recém adolescentes, não sei se estão a ver! Ah! E claro que tinham sido escolhidas a dedo. Uma das 10 prendadas moçoilas era a Ana Zanatti.
O mais curioso, era que a distinção, chamemos-lhe assim, ia até aos professores. Os melhores para as turmas “seleccionadas”. Por exemplo, o insígne Rómulo de Carvalho (o pseudónimo usado como poeta - António Gedeão - identificá-lo-á melhor, decerto), era mestre de Físico-Químicas exclusivo das turmas A, bem como o professor de matemática Palma Fernandes, autor dos, na altura, mais conhecidos manuais de exercícios dessa matéria.
As casas de banho, normalmente abjectas, eram as “salas de fumo” de alguns mais precoces viciados, e as sessões de fumo nos intervalos das aulas, o único sinal subversivo mais ou menos detectável. O movimento político estudantil era larvar, mas corriam rumores - e digo-o assim porque nunca fui aliciado para ele - que se chamava Pró-Associação, e que dele faziam parte dois dos meus colegas de turma, o meu parceiro de carteira, o S.P., fraco estudante mas excelentíssimo desenhador e pintor, o melhor de todo o liceu, e o Zé A., um rapaz muito discreto e bom aluno que desapareceu durante umas férias sem deixar rasto. Constou na altura que teria sido preso pela PIDE, mas nunca tive confirmação da veracidade da história. Ah! E numa manhã de 2ª feira, quando entrámos no liceu, as paredes das salas e corredores, e os pisos dos recreios, estavam cobertos com slogans anti-regime e principalmente, anti-guerra colonial, comparando alguns, a guerra em Angola, com a revolta dos escravos. Valeu-nos um “feriado”.
É pois neste ambiente que faço o exame do 2ª ciclo. Ou melhor, os exames das disciplinas de Ciências, porque as Letras tinham ficado pelo caminho graças à malfadada História, para sempre o meu calcanhar de Aquiles, e a uma altercação logo no início do ano, com a professora de Francês, que nunca mais me perdoou o atrevimento, e me correu a negativas em todos os períodos.
Ora outra das “leis” do Pedro Nunes era não poder haver “buracos” entre uma aula e a seguinte, e foi assim que fui mandado para o Passos Manuel, visto só ir ter aulas correspondentes às disciplinas de Letras.
O choque não podia ter sido maior. Até futebol se podia jogar! Mas foi principalmente na “atitude” que cada um tinha, que se verificavam maiores diferenças. No PN aceitavam-se as regras, e os sinais de rebeldia eram ténues: uma ou outra “falta de castigo” nas aulas de Canto Coral do prof. Cirilo, e pouco mais. No Passos Manuel, tudo era diferente. A primeira amostra, tive-a por causa da disciplina de Religião e Moral. Era hábito (no Passos, claro, no Pedro Nunes, nem pensar) os alunos cujo credo não se coadunasse com a religião vigente - ou àqueles para os quais aquela disciplina não tinha qualquer interesse - pedirem no início do ano ao professor indigitado, escusa de assistirem a essas aulas. Calhou-nos um jovem padre acabadinho de sair do seminário, e que por qualquer motivo obscuro, decidiu declinar todas as autorizações. Nem depois de instado pelos interessados, condescendeu. Ora tal atitude foi considerada uma provocação que não podia ficar impune, e a forma de protesto não se fez esperar. Devo dizer, antes de prosseguir, que como não frequentava uma parte substancial das aulas, as correspondentes a Ciências, não fui posto ao corrente da situação.
Assim, na aula de Religião e Moral seguinte, fiquei surpreendido por ver as carteiras bem separadas em duas alas, e nem tive tempo de perguntar o porquê daquela disposição, porque logo de seguida entrou o padre. Ou por outra, tentou entrar. É que mal assomou á porta, estalou uma batalha campal entre os meus colegas, artificialmente divididos em duas facções. Só tive tempo de me esconder debaixo da carteira, porque pernas de cadeira, tinteiros de louça, e outras inusitadas armas, voavam-me perigosamente sobre a cabeça. Mas deu para ver que o pobre padre ia ficando cada vez mais pálido. Ainda tentou entrar na sala, mas uma perna de cadeira que embateu na parede mesmo junto à ombreira da porta, dissuadiu-o. Virou as costas, e só voltou uns minutos depois acompanhado do reitor. Mas nessa altura, já todos nós tínhamos alinhado convenientemente as carteiras, onde nos sentávamos, direitos e circunspectos. Da refrega, o único sinal eram dois vidros partidos… e várias cadeiras despernadas.
Resultado: como não houve quem denunciasse os mentores dos distúrbios, a turma foi suspensa por uns dias, coisa que não me aborreceu minimamente. E a partir desse dia as aulas de Religião e Moral passaram a ser imperdíveis.

4 Comentários:

Blogger spring diz que...

olá yardbird!
Feliz Natal e Bom Ano 2008, são os nossos votos sinceros
paula e rui lima

1:34 da tarde  
Blogger José Trindade diz que...

Peço desculpa mas o senhor nunca deve ter andado no Liceu Normal de Pedro Nunes.
Eu andei de 1963 a 1970 e podia jogar futebol, não era obrigado a andar de gravata e as turma nao miam da "A" a "F". O máximo que havia era a turma "C" e só em alguns anos. Nunca andei na turma "A" e tive com professor de Fisico-Química o Dr Rómulo de Carvalho.
Deve estar a fazer confusão de certeza.
Os meus cumprimentos

10:29 da tarde  
Blogger VdeAlmeida diz que...

Olá, Rui. Bom Ano para vocês também

10:57 da tarde  
Blogger VdeAlmeida diz que...

Pois eu, meu caro José de perfil indisponível, mantenho tudo o que escrevi, e se quiser, arranjo alguns conhecidos e amigos que podem corroborar o que disse.
Entrei para o Pedro Nunes, para o Anexo, sito na Rua de Bela Vista á Lapa. Quando fiz o exame de 2º ano, transitei para a Álvares Cabral, onde as coisas se passavam tal como expliquei.
Nesse ano, frequentei o 3º ano, turma E. Como tive notas excelentes, principalmente a matemática e a Físico-Químicas, no ano seguinte enfiaram-me no 4º B, a tal turma das "promessas". Devido a excesso de faltas, não tive aproveitamento nesse ano, pelo que no ano seguinte, me mandarm gentilmente para o 4º ano E.
E mais não digo, porque não me parece que tenha que dar mais explicações.

11:04 da tarde  

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