Uma questão de coerência
“…Essa radicalidade, esse “desprezo” (chamemos-lhe assim) pelo gosto das maiorias substituído pelo gosto dos seus autores, essa “arrogância” assumida (sim, não há mal nenhum nisso) ajudou a formar e a formatar o gosto musical (e não só) de uma geração, mas foi muito para além disso: contribuiu para a criação, em muitos adolescentes de então onde
felizmente me incluo, de uma personalidade e um novo modo ver e entender o mundo…”
Digamos que a opinião vertida expressa perfeitamente os propósitos dos evocados, tal como expressa correctamente a atitude adoptada por muitos dos que ouviam o programa, número em que gratamente me incluo. Foi com eles que me habituei a ser exigente com o que ouvia, e a tentar distinguir o trigo do joio. Que é como quem diz, a não querer escutar tudo o que me pretendiam impingir, mesmo que a “embalagem” parecesse atraente.
Até porque, lembro-me bem, um dos lemas do programa era:
“Gostos educam-se. Depois, discutem-se”. E eu não poderia estar mais de acordo. Então como hoje
E como se trata de uma questão de princípios, é por isso que, do que não gostava então, continuo a não gostar hoje. Lamentavelmente (na óptica de alguns), nesse aspecto o tempo não teve o condão de me amolecer o coração. Nunca fui muito de dizer que “no meu tempo é que era bom”, e na música muito menos. Diria mesmo que, a não ser o que o Em Órbita transmitia, pouco mais havia. Se em Portugal imperava, por lado um nacional cançonetismo bacoco e obsoleto e por outro uma meia dúzia de grupos que se limitavam ao arremedo patético do que se fazia lá fora, de França - relembre-se que a nossa educação á altura era marcadamente francófona - e exceptuando a canção de texto que pouca abertura tinha nas rádios portuguesas - o que chegava era de uma mediocridade quase atroz, a geração Salut les Copains (da qual se salvavam somente Hardy e Dutronc, e mais tarde Gainsbourg, genial criador), e só se diferenciava do que se fazia por cá pela manifesta diferença de meios. O que sobrava na Europa, era a Itália a viver da canção napolitana e do festival de San Remo e uma Espanha subjugada por uma ditadura asfixiante de todas as formas de arte que não fossem as mais retrógradas e tradicionalistas (se é que existe tal arte). Assim, amodorrávamos tristemente ao som de Halliday ou Rafael, de Calvário ou Garcia, de François ou Morandi.
Passados tantos anos, mantenho o espírito crítico que me não deixa comer gato por lebre.
Por isso é que aqui há dias quando o meu amigo Zé Mendes me perguntou se não tinha por cá o Staying Alive dos Bee Gees, lhe perguntei se estava a gozar comigo.
3 Comentários:
Muito obrigado pela citação, caro Yardbird. Um comentário: apesar da reconhecida qualidade da canção de texto francesa (e apesar de ser neto de uma francesa), costumo dizer, para grande escândalo de quem me ouve e com alguma dose de exagero, confesso,que qualquer banda rock de garagem dos anos 50 e 60 fez mais pela mudança do mundo de que toda a canção de texto francesa, de circulação relativamente restrita e imortância um pouco circunscrita aos círculos da esquerda tadicional e do quartier latin. Eu sei, um exagero e uma injustiça, dito assim para propositadamente "abanar espíritos", mas a maioria das pessoas não se apercebe quanto o r'r contribuiu para a mudança de mentalidades, a luta pelos direitos cívicos e contra a segregação racial e social, a mudança do estilo e vida, etc. Tb costumo dizer que a WWII acaba de facto quando Elvis grava "That's All Right" para Sam Philips. Enfim...
Já agora: "Dimples" é um original de John Lee Hooker, "Do Wah Diddy" do Brill Building (Jeff Barry-Ellie Greenwich) e o original era mesmo dos Raindrops de Berry, "Bring It..." de Sam Cooke. Pois é... a América era tão longe!
Abraço
JC
Meu caro JC, não há nada a agradecer, que é isso.
Quanto à canção de texto, completamente de acordo, aliás, por vezes penso que os próprios faziam questão em ser elitistas.
E em relação à comparação, veja-se que Maio foi só em 68.
Quanto à América ser longe...o génio de alguns tornou-a próxima, não é verdade?
Abraço
Já agora, tenho uma razoável colecção de blues da qual constam várias versões do Dimples
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