sexta-feira, julho 22, 2005

Judy in Disguise

Hoje queria falar de um uma coisa que me faz sorrir sempre: ver alguém de uma geração mais antiga que a da juventude, falar do alto do estatuto que a idade lhe concede, e afirmar que “dantes não era assim”, “que o respeito era outro”, e assim por diante, fazendo o discurso da “geração rasca”, com o qual nunca concordei.
Por vezes dá a impressão que a juventude só agora é indisciplinada, contestatária, por vezes até, desrespeitosa. Ora tal não corresponde completamente à verdade, embora, é verdade, se tenham agora chegado a extremos que nunca nós, na nossa pretensa irrreverência, ousaríamos sequer sonhar. Porque hoje deixo-vos um exemplo do que se passava no tempo em que decorreu a minha “golden era” e que pode dar uma imagem de como algumas coisas funcionavam.
É verdade que, na altura, ainda não havia drogas, o que, se era muito positivo, é ao mesmo tempo um motivo menos para desculpar os disparates que se faziam.
Mas vamos ao assunto.
Na altura, os role-models do jovem lisboeta eram os grupos musicais ingleses, e assim as modas por eles lançadas, eram seguidas quase com um rigor religioso. Qualquer coisa parecida com o que se vendia em Carnaby Street ou em Portobello Road, tinha sucesso garantido. Foram as calças boca-de-sino, as camisas de colarinho alto de 2 botões, os pull-overs muito curtos, acima do umbigo. E ainda me lembro do escândalo que fizeram as primeiras camisas floridas para homem, vendidas nos Porfirios.
Mas houve uma moda lançada, penso que pelos Beatles, de todo o grupo se vestir de igual. E essa foi uma onda que logo foi seguida pelos agrupamentos portugueses. Nessa altura, o Vasco Morgado, lembrou-se de promover concursos de grupos Yé-Yé. Assim mesmo, eram assim chamados, e não me perguntem porquê, porque não sei, a não ser que fosse pela recorrência da palavra yeah nas letras das canções inglesas de então.
Pois é, muito antes do Rock-Rendez-Vous, houve os concursos do Monumental.
E então era ver chegar de todo o Portugal, conjuntos de rapazes, na esmagadora maioria, cheios de boa vontade, mas com talento nulo para a música, afim de enfrentarem a multidão exigente que se sentava nas salas do cine-teatro. E digo-vos, era preciso muita coragem. A malta queria versões das canções que ouvia tocadas pelos Beatles, Stones ou Searchers, e não admitia desafinações ou fugas à melodia. E quando assim era, os apupos nem deixavam ouvir nada.
Mas isso começou a não chegar. Então eles vinham todos tão aprumadinhos, vestidinhos de igual e saíam de lá na mesma, só com os ouvidos cheios de insultos? Ná, havia que ir mais longe.
E foi assim que numa tarde de sábado (as eliminatórias eram nos fins-de-semana), alguém se lembrou de levar uns tomates bem maduros, que foram arremessados certeiramente ao primeiro grupo que prestou provas. E a partir desse dia, como a malta achou piada à iniciativa, já ninguém ia para os espectáculos sem as algibeiras cheias de tomates e ovos.
Digo-vos que cheguei a ter pena de alguns dos rapazes a saírem do palco, depois de meia dúzia de notas tocadas, chorosos e a olharem para os fatinhos feitos para a ocasião, e que só voltariam a servir depois de duas ou três limpezas. E lá se iam eles, feridos na alma e na dignidade. Compaixão por parte do auditório? Nem sinal, asseguro eu. No fim, a alegria era grande, e o dinheiro gasto era dado por bem empregue, mesmo que não se tivesse ouvido música nenhuma.
Uma nota para dizer, que os incidentes tomaram tal proporção que a polícia chegou a ser chamada, mas pouco podia fazer, porque era difícil localizar quem atirava o que fosse e a solidariedade era grande. Bufos, não havia. Uma vez os polícias, já exasperados por mais uma vez verem a missão gorada, mandaram levantar uma fila inteira: um dos “espectadores” tinha debaixo da respectiva cadeira um saco de viagem de razoável tamanho, ainda meio de tomates, ovos, e até batatas.
Agora reparo, que talvez a nossa intransigência, tivesse levado a que algum promissor músico a desistir, levado por aquelas reacções diria que quase irracionais.

Contudo, no meio da agitação ainda apareceram uns grupos razoáveis, mas esses já tinham estatuto, eram lisboetas ou do Porto, e eram habituais nas festas dos liceus. E esses eram ouvidos com muito mais respeito. Lembro-me dos Chinchilas, dos Sheiks (estes com um estatuto já demasiado elevado para irem aos concursos), do grupo do Eduardo Nascimento (que tinha um vozeirão e cantava bem, desde que fosse em inglês) ou o Quinteto Académico+2, que tinha uma versão do Judy in Disguise, do John Fred and his Playboy Band, que chegou a ser mais divulgada que a original.
E não havia ninguém que não tocasse o Winchester Cathedral, dos New Vaudeville Band. Acho que durante dois anos foi das músicas mais tocadas em todas as boites, da Lareira ao Pote. Do Forte Velho a Louisiana

John Frednewvaudeville band


Banda Sonora : John Fred and his Playboys Band – Judy in disguise (with glasses)


New Vaudeville Band – Winchester Cathedral

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home