A melhor nata de Inglaterra
Quando Eric Clapton, pela altura considerado já o maior guitarrista da Grã-Bretanha, estatuto bem expresso pelas pichagens em muitas paredes de Londres que clamavam que “Clapton is God”, se decidiu a convidar o seu antigo parceiro nos Bluesbreakers de John Mayall, Jack Bruce (na altura nos Manfred Mann), e o temperamental baterista da Graham Bond Organisation, Ginger Baker, estava longe de prever o que de excessivo, quer positiva, quer negativamente, estava para vir.
Acontecia então o nascimento do primeiro super-grupo da história do rock. É que se Clapton tinha o estatuto que tinha, Bruce era o baixista mais conceituado do panorama musical londrino, e a criatividade revolucionária de Baker na bateria era reconhecida por todos os mais influentes músicos de então.
Clapton era um virtuoso, que no entanto, apresentava o óbice de, musicalmente, só conhecer as escalas usadas normalmente nos rythm’n’blues. Bruce era já um músico de conhecimentos muito abrangentes, que lhe permitia acompanhar todas as novas tendências que então tomavam conta de Inglaterra, com o psicadelismo a dar os primeiros passos, e Baker tinha também alguma experiência na composição de canções.
Era necessário lançar o grupo e não bastava apresentarem credenciais. Precisavam de música nova e ao fim de uns meses, a coincidir com o Natal, saiu o primeiro álbum, o notável “Fresh Cream”, que incluía o hit I Feel Free, que foi o primeiro single do grupo a entrar para o top 20 (já aqui referi a importância relativa que então tinham os singles), e era uma mistura de originais da banda com alguns blues tradicionais, como Spoonful, de Dixon, ou Rollin’and Tumbling, de Waters.
O segundo, Disraeli Gears, um álbum de músicas próprias, na sua maioria compostas por Jack Bruce (várias de parceria com Clapton) e do qual faziam parte os excelentes Sunshine of your love e Strange Brew, era um álbum colossal, uma extraordinária mistura de jazz, blues e psicadelismo, e augurava uma carreira extraordinária ao grupo.
Lembro-me que na altura, a revista francesa Rock&Folk, muito conceituada e que se dedicava quase exclusivamente à música anglo-americana, fazia uma espécie de balanço anual em que elegia os melhores álbuns, as melhores canções, e analisava também individualmente os músicos. E logo em 66, ano da criação dos Cream, a revista elegeu Clapton como o melhor guitarrista de rock, Bruce como o melhor baixista, e Baker o melhor baterista. E assim foi novamente no ano seguinte. E no seguinte...E imagino que assim continuaria a ser se o grupo tivesse sobrevivido mais tempo. Em 68, os Cream era um grupo que tinham um reconhecimento mundial ao nível de Jimi Hendrix e só abaixo dos Beatles.
Mas aquilo eram egos demasiado grandes para se conseguir a harmonia necessária à sua existência como grupo. Depois, se as relações entre Baker e Bruce nunca tinham sido amistosas, a convivência, ao invés de os unir, acentuou divergências, e diz-se que por várias vezes, os chegaram quase a vias de facto, tendo sido Clapton o fiel da balança, mas mantendo sempre um equilíbrio muito instável.
Os concertos, que começaram por ser espectaculares, o que não será de admirar face ao valor dos intérpretes, a breve trecho transformaram-se em exercícios narcísicos em que cada um dos três músicos se entregava a intermináveis solos improvisados. Não vou fazer juízo de valor sobre a questão, porque me parece que para quem assistia devia ficar maravilhado a assistir ao transbordar de talento daqueles três. Mas compreendo que tudo aquilo passou a ser quase uma disputa entre os três e que não augurava grande futuro ao grupo.
Ainda editaram mais um álbum, o duplo Wheels on fire, do qual fazia parte uma versão notável de Crossroads, um clássico de Robert Johnson, e Born under a bad sign, trabalho que atingiu os tops nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas o projecto estava esgotado, e nos inícios de 69, acabavam os Cream.
Bruce dedicou-se a uma carreira a solo, enquanto que Baker e Clapton se envolviam num projecto que teve curtíssima carreira, os Blind Faith, com Winwood e Rick Grech.
Já não me lembro como soube da notícia do fim dos Cream. Mas lembro-me que me custou a recuperar do choque.
Banda Sonora : Cream - Strange Brew
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