domingo, julho 24, 2005

Vozes com cicatrízes

Há dias, ouvi um entrevista com o João Gil, onde ele, justificando a escolha de Nuno Norte para vocalista da sua nova banda, o Filarmónica Gil (interessante projecto, em que o narcisismo do nome era bem evitável), dizia que queria uma “voz com cicatrizes”, e a do Nuno, era assim.
Veio-me logo à ideia a voz da Marianne Faithfull, uma das minhas referências femininas de sempre, uma das primeiras deusas da música pop.
Filha da aristocracia inglesa, muito bela, foi descoberta pelo produtor dos Rolling Stones, Andrew Oldham, e foi com uma canção escrita por Jagger e Richards, As tears go by, um êxito a nível global, que se iniciou na que seria uma carreira longa e extremamente acidentada.
Tinha uma voz frágil, quase angélica. E uma beleza invulgar. Que, ao contrário de lhe servir de alavanca à carreira como se poderia supor, antes a prejudicou, apesar da legião de fãs que congregou à sua volta.
Com efeito, a ligação aos Stones, se lhe trouxe um êxito imediato, atirou-a para um longo e tempestuoso romance com Mick Jagger, e para uma extensa lista de episódios repletos de sexo e drogas. Ainda teve dois grandes êxitos, Come and stay with me e This little bird, mas pouco tempo depois, quase não gravava, e era quase mais reconhecida como groupie dos Stones (chegou a constar que se teria chegado a envolver sexualmente com todos os elementos do grupo),que como a cantora talentosa que se reconhecia ser.
Os anos finais dos 60’s e as décadas de 70, 80 e 90 decorreram assim de forma , entre desintoxicações, recaídas e tentativas de suicídio, mais ou menos graves. Pelo meio, a ruptura definitiva com Mick Jagger (ainda nos inícios de 70), e alguns trabalhos assinaláveis, entre os quais um álbum notável, Broken English, saído em 1979.

Ao que parece, a última desintoxicação, ocorrida já há uma dúzia de anos atrás, parece ter resultado. E se o talento de Marianne nunca se desvaneceu no meio de tantas atribulações, a sua voz sofreu uma transformação surpreendente, perdendo a sua fragilidade para se tornar uma voz estranha, rouca, muito característica e muito dentro da linha de uma Edith Piaff, por vezes agreste, mas sempre extremamente sensual.
Ao mesmo tempo, e dado o seu inegável talento como intérprete, muitos têm sido os nomes famosos que se lhe têm aliado, dando-lhe assim uma segunda oportunidade de carreira. E é assim que nos seus últimos trabalhos, a ouvimos em canções especialmente compostas para ela por Nick Cave ou P.J. Harvey, , Beck ou David Albarn.
À semelhança de Nuno Norte, as vozes de Joe Cocker, Rod Stewart ou Wilson Pickett, são poderosas. Sempre foram assim, e as mutações ocasionadas pela idade, a maturação natural que ela lhes dá, embora sensível ao ouvido de quem ouve, acaba não ser assinalável .
Ao contrário do que aconteceu com Marianne. Porque dificilmente se reconhecerá na voz madura e rouca da mulher que canta Crazy love em Before the Poison, o seu último trabalho, a adolescente que gravou As tears go by.
Na voz de Marianne notam-se bem as cicatrizes deixadas pelos anos excessivos

marianne Faithfull


Banda Sonora : Marianne Faithfull


As tears go by - 1964


Crazy Love - 2004

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