quarta-feira, junho 28, 2006

Kinks Kontroversy

"I'm a twentieth century man, but I don't want to be here"

kinks4

Se se perguntar a alguém com menos de 40 anos se conhece os Kinks, a resposta mais provável será outra pergunta:
- Quem?
Se se disser que foi um dos mais importantes dos anos 60/70, e que o seu primeiro hit, You really got foi um marco na história da pop, em virtude de nele se incluir uma das primeiras distorções de guitarra, a resposta poderá ser um encolher de ombros.

No entanto, parece-me que a atenção já será outra se se acrescentar que foram inspiração para David Bowie ou Alice Cooper, Blur ou Smiths.
Ou que Paul McCartney ao ouvir pela primeira vezSet me free, disse para Ray Davies “Essa devia ter sido eu a escrever”, ao que Ray lhe respondeu “Porra, você também não pode escrever tudo, não é?”

Não é impunemente que os radialistas do grande programa de rádio dos anos 60, e de que eu já aqui falei várias vezes, o Em Órbita, escolhem um instrumental do grupo Revenge, como ex-libris anunciador do programa.
O grupo dos irmãos Davies, Ray – o compositor/autor, e Dave – o benjamim que tinha quinze anos quando se iniciou como profissional, que recrutaram em inícios de 60 Pete Quaife e Mick Avory para o baixo e bateria respectivamente, foram um grupo preponderante no panorama musical durante a British Invasion, e talvez nunca tenham tido a notoriedade que mereciam, por dois motivos bem negativos: o primeiro, o facto de em fins de 65 terem sido expulsos dos EUA e banidos durante 4 anos, o que lhes vedou o acesso ao maior mercado discográfico do mundo, o segundo, as constantes rixas em que se envolviam os componentes em palco, sendo que em algumas delas, as consequências físicas foram graves para os contendores, a mais grave das quais envolveu Dave Davies e Avory, que se não se podiam ver – Dave achava que Avory tocava “com os pés”- , e as que se verificaram entre os dois irmãos, aos quais separa um ódio de morte.
Aliás é curioso verificar que a vida do grupo parece ter sido sempre passada no fio da navalha. Com efeito, aquando da sua estada nos EUA antes da serem banidos, e depois de um concerto numa obscura terreola, terão sido convidados pelo promotor do evento a passarem a noite na sua casa uma vez que a noite era de temporal. O convite foi recusado, ao que parece porque Ray achou algo de estranho no homem. Soube algum tempo depois que o seu pressentimento era fundado: o homem era John Wayne Gacy, um dos mais terríveis serial-killers dos EUA, condenado por assassinar uma quantidade muito apreciável de jovens.
Mas se o banimento teve repercussões negativas no reconhecimento com as consequências monetárias inerentes, também veio dar uma guinada nas opções de Ray Davies como autor. As suas canções passaram do pop normal da altura, com letras inconsequentes, para músicas de conteúdo e análise crítica da sociedade inglesa, quase sempre irónica, muitas vezes mordaz, como foi o caso de músicas como Sunny Afternoon ou Dedicated follower of fashion, aceites de forma calorosa pela imprensa da especialidade e pelo público.

Mas não foi só nessa vertente que Ray inovou. Deve-se ao grupo a primeira ópera-rock de sempre, “Arthur”, que encontrou pouca receptividade fora da Ilhas. Pouco depois, saía “Tommy”, dos Who, essa sim, com direito a passar ao cinema e tudo.
Depois de alguns álbuns conceptuais em fins dos 60, princípio dos 70, muito elogiados, mergulharam num marasmo, talvez originado pelos constantes conflitos internos. Mesmo assim, em 77 ainda editam um LP, Sleepwalker, de qualidade acima da média, embora pouco consistente com a linha até então seguida.

Há muito que os Kinks acabaram. Mas Ray Davies mantém a personalidade controversa e a contundência de sempre. Dentro e fora do palco. E uma insatisfação exacerbada, própria de quem, aquilo que criou nunca foi suficiente
Kinks Poster

quarta-feira, junho 14, 2006

Factos...e Aniversário

Diz-se que “a vida é feita de pequenos nadas”. E assim, as épocas. Quando referi 66 como sendo um ano importante no futuro da música popular, não me referia intrinsecamente à música produzida – que foi do melhor, e disso não tenho dúvidas – mas também a uns poucos factos que marcaram o ano.
Por vezes, e na altura, pensa-se que determinado acontecimento tenha uma importância relevante para a altura, mas que será esquecido. E espantamo-nos depois, quando verificamos que perduram. Como aconteceu com a comparação que Lennon, em de Março de 66, estabeleceu entre a popularidade relativa dos Beatles e Jesus.
Normalmente, a frase seria recebida com humor, conhecida que era a fina ironia de John. Mas os sectores mais conservadores da sociedade, nomeadamente a norte-americana, hipócrita e sempre incomodada com a irreverência da juventude, reagiram como se de blasfémia se tratasse, contribuindo assim para que a frase não mais fosse esquecida, ao mesmo tempo que dava novo impulso a que a “boutade” expressa se tornasse uma realidade.
Algum tempo depois, e ainda em relação ao grupo de Liverpool, sairia o álbum já mencionado no post anterior, que além da sua qualidade sonora, inovaria também graças ao aspecto gráfico com que se apresentava – um trabalho excepcional do alemão Klaus Voorman, curiosamente, e durante algum tempo, membro dos Manfred Mann. Se de há uns tempos a essa parte, havia já um certo cuidado por parte de editoras e artistas com a apresentação dos discos de longa duração, esse LP ultrapassaria todas as expectativas, e a seguir, não mais a capa seria um mero “embrulho” da obra artística, mas também ela própria uma obra merecedora de atenção, de per si.


Yellow Submarine - Versão de Chris Eckman (compilação da Mojo)

Também um simples encontro entre dois homens, pode transformar tudo. Foi assim, quando Chas Chandler, baixista dos Animals, ouviu num pequeno pub Jimi Hendrix, um quase anónimo há poucas horas chegado dos EUA e que tentava a sua sorte no então paraíso musical inglês. O homem era mesmo bom, e Chas, então já mais dedicado à editora que ao seu grupo, desafiou-o para gravar. E o “Hey, Joe”, sairia tempos depois com um impacto inusitado, mas não tão profundo como o doravante causado pelo seu intérprete.
Jimi1


Quase ao mesmo tempo, outro dos deuses da guitarra, Eric Clapton, era convidado pelo “pai” dos blues ingleses, John Mayall, para integrar os seus Bluesbreakers, composto pelo próprio, John McVie e Hughie Flint. Clapton, então um purista dos blues, desiludido com o rumo que o seu grupo, os Yardbirds, tinha seguido, aceitou e da colaboração resultou aquele que, para mim, é até hoje, um dos grandes discos de blues, gravados no Reino Unido. Nele, é reconhecível e inconfundível, o som de uma guitarra, que faria história. Por esses dias, os grafitis das ruas de Londres diziam que “Clapton is God”. Depois…..viriam os Cream.
Portanto, mais um encontro que resultou num facto preponderante. Na época e no futuro.
E assim se ia fazendo um ano invulgar para a música popular.
Bluesbreakers



Nota:- Esta minha pequena assoalhada faz hoje um ano. Aos amigos que me ajudaram a mantê-la com a sua atenção, a minha eterna gratidão.
Nota à nota, para acrescentar que a minha Musical Box esteve para se chamar Club a GoGo. Porquê? Por causa desta música dos Animals, que por acaso até é mais ou menos da altura que refiro no post.