quarta-feira, dezembro 28, 2005

O génio numa guitarra, ou o anti-sistema irredutível


Tudo o que se possa dizer agora do génio de Zappa, é quase como chover no molhado, mas até parece mal ser eu um zappista convicto desde sempre, ter um blog de música e passar sem falar num dos maiores nomes da música mundial do século XX, e um dos que mais admiro.
Frank, nem era um músico qualquer, nem se limitava a ser músico. Era acima de tudo, um cidadão interessado pelo mundo em que vivia e um crítico feroz do american way of life e dos políticos norte-americanos, fossem eles republicanos ou democratas. Frank era incómodo para os poderes instituídos, e a divulgação da sua música, foi muitas vezes prejudicada por isso, chegando mesmo a ver os problemas estenderem-se às editoras (num dos casos, ficou patente a vertiginosa imaginação e talento de Zappa, que para se ver livre de um contrato indesejado, e como estava obrigado a cumprir determinado número de álbuns, conseguiu gravar 3 LP’s de muito boa qualidade em pouco mais de 24 horas).



He’s so gay

Muita imprensa adversa, a maior parte arregimentada pelos poderosos lobbies a que se opunha, dificultava-lhe também a vida, deturpando muito do que fazia, empolando episódios e caricaturando outros, de forma a fazê-lo aparecer como um excêntrico inconsequente, coisa que nunca foi.
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Na vertente musical, Frank misturava influências de Stravinski e Stockhausen, com o rock e o rockabilly dos anos 50, muito de jazz, e não facilitava. As suas grandes composições eram complexas, e os músicos que o acompanhavam tinham sempre um grande background, mesmo os Mothers of Invention, o seu primeiro grupo, reconhecido a nível mundial, complexidade que o levou mesmo a gravar com a Orquestra Filarmónica de Londres. Atestado da consistência da sua música, a regência por Pierre Boulez de algumas da suas peças.
Não irei aqui fazer uma análise sobre a sua obra. Ela fala por si, e é de tal forma extensa, que seria quase uma loucura, comparável àquela de que o acusavam os detractores, que não encaixavam a corrosão das suas palavras e das suas atitudes.
Depois de Freak Out, a sua primeira e imperdível gravação, surgem álbuns que ficarão como marcos, como Absolutely Free ou We are only in it for the Money (uma sagaz crítica ao Sgt. Peppers, dos Beatles), mas gosto sobretudo de um que gravou em estilo neo-doo wop, chamado Cruising with Ruben and the Jets, que contém uma divertida faixa, Later that night, que dá toda a dimensão satírica de Frank


My guitar wants to kill your mama

Zappa era um homem de opiniões e interventivo e nada do que ocorria de importante, lhe passava indiferente, sendo um crítico acérrimo de todos os tipos de droga (o que nos meios intelectuais de então não era muito bem visto, coisa que não o preocupava absolutamente nada), mas paradoxalmente era um fumador inveterado, facto que ajudou à sua morte prematura. Recordo-me de que lhe ouvi uma curiosa teoria sobre a sida, doença na altura ainda numa fase de deflagração (a morte de FZ ocorreu em 1993). Dizia ele numa entrevista, que estava convicto que a sida teria sido criada em laboratório com o intuito de “atacar” uma determinada faixa da sociedade, no caso os homossexuais, e que por qualquer razão, teria saído fora de controlo.


Broken hearts are for assholes

A morte veio cedo, mas não obstou a que Frank deixasse uma discografia de várias dezenas de álbuns e que acrescidos de alguns editados postumamente, quase perfazem a centena. Tal, dá bem a dimensão da dimensão criativa do músico
Naturalmente que dado o carácter da figura, antes do 25 de Abril, a obra de Zappa passou praticamente em branco na rádio portuguesa, e eu só sabia da sua existência por algumas emissões da clandestina Rádio Caroline, e pela Rock & Folk francesa.
Discos dele por cá, eram uma raridade. Não os importavam e só tendo amigos que os trouxessem do estrangeiro.
Aí ficam as capas de algumas das suas obras mais importantes...
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…e o psicadélico cartaz de um dos seus espectáculos

Cartaz

sábado, dezembro 17, 2005

Uma música límpida


Os Searchers foram pioneiros no uso da guitarra de doze cordas, e só por isso mereciam ser recordados. - o riff de Needles and Pins foi até usado pelos Byrds no seu Feel A Whole Lot Better. Mas a importância deste grupo de skiffle não se resume a essa particularidade.


Os seus membros juntam-se ainda nos fins dos anos 50, mas é um pouco antes da explosão da Beatlemania que ascendem aos tops, e mesmo já em pleno reinado do grupo de Liverpool, conseguem colocar vários singles no 1º lugar de vendas o NME. E merecidamente.
A sua música é límpida, de acordes simples e luminosos, de uma harmonia e arranjos a roçar a perfeição, a demonstrar que não é preciso complicar para se fazerem boas canções. E na verdade, a sua sonoridade inconfundível em apoio a uma vocalização afinada e sem qualquer motivo de reparo, tornou-os numa das referências dos anos 60, num meio superpovoado de grupos semelhantes.
É curioso que, do outro lado do Atlântico e na mesma altura, surgia um grupo com uma sonoridade de certa forma parecida, mas de longevidade muito superior e evolução muito diversa e cuja popularidade atingiu proporções estratosféricas, os Beach Boys. Mas é certo que no início os achava muito parecidos, talvez porque as suas referências fossem semelhantes.
Como muitos naquela época, a sua estrela foi esmorecendo e embora continuassem a tocar até aos anos 80(com muitas mudanças na sua composição) desde meados dos 60 nunca mais conseguiram qualquer notoriedade.
Da sua época de ouro, deixaram, não só bons originais, como também algumas excelentes covers de clássicos dos R&B, como Love potion nº9

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Num campo muito diferente, pois os seus elementos tinham uma formação de blues, e quase pela mesma altura, aparece um grupo que tomou o nome do seu teclista, Manfred Mann, que merece uma referência á parte, mas que hoje trago aqui por causa do seu primeiro grande êxito, “Do Wah Diddy”. Isto por três motivos, o primeiro, pela inspiração do título, o segundo, porque a musiquinha foi durante muito tempo um êxito monumental, e como as músicas dos Searchers, era indispesável em qualquer baile que se realizasse na capital, fosse ele na Academia de Santo Amaro ou nos Combatentes, fosse particular, e a terceira, porque era uma canção muito deslocada na discografia dos Manfred, à excepção talvez de uma que se chamava 5,4,3,2,1.


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No ultimo post tinha prometido trazer aqui novidades em blues. Mas a verdade é que estive a fazer uma busca e cheguei à conclusão de que só adquiri um original, de Carey and Lurrie Bell, Second Nature. De resto, só reedições. Dignas de nota, uma de Buddy Guy (estou à espera do último dele, que foi editado em Setembro “Bring ‘Em in”), com Júnior Wells, e outra de John Lee Hooker.
Logo que chegue o do Buddy Guy, falo dele.
Ah! A Cheapolata lançou umas colectâneas de blues baratíssimas e bastante boas. Aliás, excelentes para quem conhece pouco de blues e se quer iniciar.
Nota:- Ouçam as outras 2 músicas. Vão ver que sou capaz de ter razão

quinta-feira, dezembro 08, 2005

O meu ano musical


Em época de rescaldos, não poderia de deixar de vos dizer o que o ano que agora acaba trouxe em termos musicais, e que me gostaria de referir.
Como todas as listas deste género, estará muito incompleta, e muitos sentirão aqui a falta de alguns dos seus preferidos. Mas como sempre recordo, é feita segundo o meu gosto, que poderá não ser (e não é com certeza) o melhor

Descobertas:

Sufjan Stevens – Greetings from MichiganSufjan Stevens - Seven SwansSufjan Stevens - Come on feel the Illinoize

A “minha” grande descoberta terá sido Sufjan Stevens. Com Illinoize, um dos grandes álbuns de 2005, despertou-me para o seu trabalho anterior, sobre o qual já tinha lido na Uncut, e não foi tempo perdido. Tanto Seven Swans como Greetings from Michigan, especialmente este último, merecem ouvido atento e lugar de destaque na discoteca – 5 estrelas



Andrew Bird - Sovay

”Andrew Bird & the Misterious Production of Eggs” é um dos meus discos preferidos de sempre. Andrew Bird não é verdadeiramente um novato, fazia parte do projecto dos Squirrel Nut Zippers, que praticava um retroswing, e nos seus primeiros trabalhos a solo continuou na mesma linha, que, sendo audível, não é das minhas preferidas. Já quando editou o introspectivo Weather Systems me agradou muito mais. Pareceu-me então – curiosamente não só abandonou a antiga linha, mas também a antiga editora – que com aquela qualidade, o rapaz só tinha andado a perder tempo com os swings pouco evoluídos dos Squirrel. Mas fiquei sempre a recear que voltasse às origens. Não se confirmaram os receios. O álbum deste ano é um prodígio de imaginação e talento musical. Imperdível!

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Jeff Klein – The Hustler


Jeff Klein é outro nome a prometer muito. Este álbum, The Hustler, é um verdadeiro achado. Embora algo sombrio, por vezes até claustrofóbico, é um trabalho que não passa indiferente a quem gosta de um género de música intimista e envolvente.

Os The Kills, que já conhecia mas que não me tinham despertado uma atenção por aí além com o 1º trabalho, desta apresentaram-se com um álbum cheio de força, uma rock potente e sensual, pronto a despertar paixões. É um álbum em que V V e Hotel deixam muitas expectativas para o próximo, o 3º habitualmente e na minha perspectiva, sempre o mais difícil de todos.


Confirmações:


Josh Rouse continuou a sua normalidade editorial, e trouxe um magnífico Nashville de que já aqui falei e referi que era” uma brilhante colecção de pequenas canções, todas elas verdadeiras pérolas de sensibilidade e requintado gosto musical, um rock-pop de uma simplicidade quase cândida, deixando-se muita vez embalar na nostalgia, sem nunca se deixar cair na lamechice.
Na verdade, a música de Rouse, parece tecida com um cuidado extremo, onde cada nota é meticulosamente precisa, e que as líricas, por vezes tristes, acompanham com rigor.
Rouse é pois um músico perfeitamente estabilizado.

Ryan Adams – Cold RosesRyan Adams - Jacksonville City NightsRyan Adams – 29

Já Ryan Adams provou e uma vez por todas a sua exuberância criativa e lança 3 álbuns no mesmo ano, e que estão aí em cima. Para ser preciso, “29” ainda vai sair em fins de Dezembro, e ainda não tive oportunidade de o ouvir atentamente. Mas os outros dois, em que a sua vertente mais country está bem patente, e em que o rock tem muito menos peso que em Gold, são dignos sucessores de Heartbreaker e obras bem conseguidas. Pergunto a mim mesmo se Ryan manterá em 2006 esta “febre criativa”.

Regresso:

Kate Bush regressou com Aerial, um grande trabalho ao fim de tantos anos de ausência, e parece que recuperou a alma dos seus primeiros tempos. A bela deusa do Kent, volta com a sua música de classe única e com a voz mais sensual que nunca. Outro dos melhores álbuns do ano.



A grande decepção:
O álbum de Rufus Wainwright, Want Two. Um disco pouco consentâneo com o que seria de esperar.

Outros álbuns que constam da minha lista de preferência:

Anthony and the Johnsons – I’m a bird nowArcade Fire - FuneralHerbie Hancock - Possibilities


The Mars Volta – Frances the MuteDavid Sylvian – Nine HorsesColdplay – X&Y

Duas ou três notas:
- o terceiro album dos Coldplay, sendo um trabalho com alguns momentos muito bons, demonstra como é difícil fazer uma carreira sempre em crescendo, se bem que fazer melhor que A Rush of Blood seria sempre uma tarefa bem difícil.
- poder-se-á estranhar que não tenha mencionado o último dos Sigur Rós, Franz Ferdinand, ou o dos Animal Collective. O primeiro e o último, ainda não ouvi atentamente, pelo que seria extemporâneo incluí-los na minha lista. O dos Franz...com franqueza, não anda com espírito para ouvir aquele tipo de música, embora lhes reconheça qualidades.
- por fim, comprei o Koln Concert, do Keith Jarret. Um must, como se sabe

Amanhã, falo dos blues...

quinta-feira, dezembro 01, 2005

25 Anos sem Lennon

JohnLennon


Dentro de breves dias, 8 precisamente, perfazem-se 25 anos desde o dia em que John Lennon, um dos ícones do século XX desapareceu, assassinado por um fã tresloucado

Dead of john


Jealous Guy


O anúncio da sua morte, num frio dia 8 de Dezembro, chegou seco. A princípio nem queria acreditar, tal o choque. Mas aos poucos fui assimilando que um dos símbolos da minha geração tinha desaparecido.
Só quem viveu aqueles tempos pode avaliar o que era a ansiedade de aguardar pelo próximo single ou LP dos Beatles. E eles nunca desiludiam. Pelo contrário, parecia sempre que só podíamos esperar que o melhor seria o próximo.Passei com a sua música muitos dos melhores momentos da minha vida
John marcou uma geração com o seu génio musical.
Mas não só. Teve um papel importantíssimo na mudança de mentalidades da época, e dele ficará a memória da sua fina ironia, como quando, estando os Beatles a actuarem perante a fleumática aristocracia britânica, pediu ao povo da plateia que batesse palmas, e à nobreza que sacudisse as jóias.
Para a posteridade ficará a sua afirmação de que “Os Beatles são mais conhecidos que Jesus Cristo”. Se não o eram, nessa altura passaram seguramente a sê-lo.
Mas se a vertente mais importante de John era a de homem da cultura – era não só músico, como escritor e pintor – nunca poderá ser esquecido o militante pelas igualdades entre raças ou entre homem e mulher, o homem solidário, o lutador pela paz entre os povos.
Como o atestam canções como Give Peace a Chance, Power to the People, Working Class Hero ou Woman


Give Peace a Chance


Acima de tudo, o ser humano crente na utopia de um mundo sem desigualdades e fraterno, de que deu voz no imortal “Imagine”, hino dos oprimidos.
O génio de Liverpool permanecerá como figura ímpar de toda uma geração: a minha.
Até sempre, John.


John Lennon1