sábado, agosto 27, 2005

Canções...diferentes I

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Na música, como afinal em todas as facetas que compõem a nossa vida, somos confrontados com coisas estranhíssimas, e às quais dificilmente consigo catalogar.
Como diz o JP. embora noutro sentido, são daquelas coisas que nos boquiabrem. Está neste caso um single saído em 1966, que se intitulava “They’re coming to take me away, Há-Haaa”, interpretado por Napoleon XIV (aka Jerry Samuels), onde, com uma batida constante e uniforme em fundo, Napoleon canta (ou antes, declama), o infeliz desenlace do seu romance de amor que o levou a um estado avançado de demência, como se pode comprovar pela desenvolver da “canção”. Durante toda ela, nem só uma nota de música é tocada ou cantada.
O que é certo é que há público para tudo, e a ária maníaco-depressiva subiu ao 3º lugar nos charts e deu aso a que o autor se abalançasse a lançar um LP com canções de cariz semelhante, e com títulos igualmente sugestivos, como poderão comprovar pela capa.
Napoleon XIVThey’re coming to take me away, há-Haaa!

quinta-feira, agosto 25, 2005

Soul Music

Nunca sei em que tipo de música hei-de enquadrar o que Ray Charles cantava (e estas catalogações, com a cada vez maior proliferação de tipos de música, mais difícil se torna). O Allmusic designa o R’&’B como género musical, subdividindo-se por sua vez em vários estilos, tais como blues, jazz-blues, urban-blues, soul, etc. Vou dar de barato que a música do génio seria – classificação minha – um jazz-blues, e diria então que o meu primeiro contacto assinalável com a música soul, designação que então se atribuiu à música ligeira cantada por negros norte-americanos e que tinha fortes raízes religiosas ligadas aos espirituais, terá sido ao ouvir a fantástica voz de Wilson Pickett em In the midnight hour, que de tão espantosa, garanto, nunca mais esqueci

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Quem tenha lido o que até hoje tenho escrito sobre a música dos anos sessenta, poderá ser levado a pensar que os tops (apesar de tudo, ainda me parece que nessa altura eram de algum modo, um aferidor credível sobre a qualidade do que se fazia) eram dominados esmagadoramente pelos então emergentes grupos pop, rock ou qualquer coisa pelo meio, oriundos de Inglaterra ou dos EUA, aqui e ali destronados pelos grandes nomes do music-hall, como Frank Sinatra ou Elvis Presley, está a laborar num erro.
Nessa altura, a Atlantic e a Tamla-Motown eram duas máquinas poderosas, contavam com grandes vozes e disputavam os primeiros lugares palmo a palmo. Como exemplo, o grupo de Diana Ross, as Supremes, tiveram um tão impressionante número de entradas para os tops, que só os Beatles se lhe poderiam comparar. Isto, sem falar do extraordinário Marvin Gaye, um dos génios da música negra, e que era o ás maior do baralho da Motown.

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Nomes femininos como Fontella Bass, P. P. Arnold ou Martha and the Vandellas (um grupo muito interessante, na linha das Supremes e do qual eu gostava bem mais do que do trio da Ross), ou masculinos, como Percy Sledge (quem, depois de ouvir o seu When a man loves a woman, poderá alguma vez esquecer aquela voz poderosíssima?), os Temptations, Solomon Burke, Eddie Floyd, os Four Tops ou Joe Tex, terão sempre que fazer parte de uma discoteca que se preze.

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(Martha and the Vandellas – Dancing in the streets)

(Eddie Floyd – Knock on wood)

Mas os grandes nomes da música soul eram sem dúvida Otis Redding (que curiosamente nunca gravou para Atlantic ou para a Motown) e Aretha Franklin, apesar de ter sido com Carla Thomas, então sua colega na editora Stax, que Otis gravou um fantástico álbum chamado “King & Queen”, do qual fazia parte um fenomenal Tramp, que ficou como uma das mais perduráveis recordações do imortal Otis.

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Inegavelmente porém, Aretha tinha atingido um patamar e um reconhecimento público ao qual Carla nunca poderia aspirar, o que, em certa medida, penso eu, lhe terá limitado a carreira, situação agravada com o desaparecimento prematuro de Otis, o seu grande mentor. Não tenho certezas sobre o que se terá passado, certo só que após 1971, conheço-lhe um único álbum editado em 1994 pela Castle, desconhecendo mesmo se se terá tratado de um álbum de originais.
Como todos os outros tipos de música, e naturalmente, a soul evoluiu, tomou outros caminhos (alguns, como o disco-sound, ou aquela facção mais melosa, da qual serão expoentes mais notórios Lionel Ritchie e os seus Comodores, já para não falar do entediante Barry White, nunca foram nada do meu agrado, e até fico estupefacto e quase ofendido quando vejo algumas entidades respeitáveis classificarem uma Beyonce e outras do género, como cantoras de R'&'B).
Marvin Gaye até à sua morte teve uma obra notabilíssima, e o seu álbum What’s going on ficará sempre não só entre o que de melhor a Motown produziu, mas como um marco de toda a música negra.
Sem querer estar a fazer uma análise profunda sob pena de se tornar tudo isto muito chato, direi que dos nomes de então, vou continuando a ouvir com prazer as novas propostas de Solomon Burke e do próprio Stevie Wonder, que só pelo seu Innervisions merece alguma condescendência em relação às banalidades com que de vez em quando nos brinda

Nota – Deixei o Tramp a abrir com o blog. Para ouvirem as restantes terão que a parar, e carregar no “on” de cada player.

quarta-feira, agosto 17, 2005

A Arte nas Capas de Álbuns

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A transição dos clássicos álbuns de vinil trouxe consigo um inegável ganho em qualidade sonora e em espaço de arquivo, mas ao mesmo tempo levou consigo um certo romantismo intrínseco que o velho álbum possuía. Cada salto da agulha era como uma pequena mazela, traço de um descuido num baile, ou num transporte menos acautelado. Aquele arrastar roufenho de alguns que os tornava quase inaudíveis, eram a demonstração das imensas horas de gozo que já nos tinham dado e de como não desistiríamos de o ouvir até que se gastassem por completo.
Perdeu-se também, em grande parte, o fascínio que muitas capas exerceram sobre mim. Apesar de continuar a haver capas de cd muito bem elaboradas, nunca será a mesma coisa. O plástico será sempre mais impessoal, e o tamanho, diminuto, também não ajuda. Tenho para mim que o tamanho do velho LP era o ideal para se apreciar devidamente o trabalho do artista plástico que o concebera.
Sempre achei curiosa a evolução destas capas. Começaram por ser um mero invólucro de papel para o disco, só com um espaço transparente para que se visse o nome do artista e da obra impressos no próprio disco, e passou depois por uma fase de um pouco mais de sofisticação, com uma ilustração na capa, que passara do papel a uma espécie de cartolina, e que era invariavelmente o retrato do artista, em muitos casos a preto e branco, legendado com o seu nome e com o nome do álbum (em alguns casos, simplesmente o nome da canção que se pretendia mais preponderante).

As poses eram sempre muito clássicas, e esta capa do Frankie Valli e dos Four Seasons, é um bom exemplo.
Durante muito tempo assim permaneceu, e até considero que, embora não saindo muito do que era na altura norma, esta capa do Elvis, é bastante original

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Foi nos meados dos anos 60, creio que com o impulso da onda psicadélica, que o cuidado com a aparência estética dos álbuns se foi apurando, e apareceram verdadeiras obras de arte (vejam a pintura que encima este texto, que é capa de um álbum dos Moby Grape de quem já quase ninguém se lembra, e digam lá se não parece ter sido obra de Dali), que eram um convite quase irrecusável à sua compra, mesmo desconhecendo-se a qualidade do conteúdo. Curiosamente, resisti sempre a eles.
Os Beatles, a par da vertente musical, foram também inovadores neste aspecto. Se a capa de Rubber Soul, utilizando o desfoque da câmara fotográfica, já tinha sido uma pedrada no charco, a capa do álbum seguinte, Revolver, desenhada por Klaus Voorman, que juntava à faceta de artista plástico a de músico – tocava nos Manfred Mann – é uma maravilha de pormenor, e nem a complexidade da seguinte, Sgt. Peppers, conseguiu atingir o seu brilhantismo

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Só por curiosidade, o seguinte, Abbey Road, em que os Fab Four atravessavam a Abbey, deu origem não só a glosas posteriores por parte dos Red Hot Chili Peppers e dos New Yor City (Soulful Road), como a algumas especulações sobre a eventual morte de Paul McCartney, o que quer dizer que há sempre imaginações férteis.
E a verdade é que na altura, libertaram-se muitas imaginações, e como sempre quando tal acontece, libertaram-se também moralismos. É assim que a capa original do 1º e único álbum dos Blind Faith é censurada, banida e por uns tempos substituída por outra, e os autores acusados de imoralidade. Hoje, possivelmente, seriam acusados de pedofilia. E contudo, o disco permanece à venda com a sua capa original.
Outro alvo da censura de então, foi o álbum de Hendrix, Electric Ladyland, tendo nos Estados Unidos, a capa original sido substituída por uma fotografia de má qualidade de Jimi.

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Curioso é verificar também os vários caminhos que foram sendo explorados para tornar as capas mais atraentes. No caso de Stand up, dos Jethro Tull, por exemplo, quando se abria o álbum a meio, havia um desdobrável com os membros do conjunto que ser erguia até ficarem...Stan up. No caso do 3º dos Led Zeppelin, havia uns buracos exteriores, por onde apareciam imagens desenhadas num disco de cartolina que se fazia girar no interior através de um movimento circular.

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Penso que esta vertente estética dos discos lhes dava um encanto diferente, como acima apontei, e se muitos dos artistas que os foram fazendo eram e continuam a ser completos estranhos para nós, repare-se que artistas como Andy Wahrol não desdenharam de, também aí, deixarem a sua marca, como comprova a magnífica capa do ábum dos Velvet Underground & Nico.
Muito haveria a dizer sobre o assunto, mas não há como grandes discursos, para tornar um assunto agradável, numa chatice. Por isso, limito-me a deixar-vos mais algumas das capas que sempre foram das minhas preferidas. Limitei o campo de escolha até aos princípios dos anos 70, uma vez que me parece que poderão ser essas as menos conhecidas, algumas um pouco macabras, como a de Nursery Crime, dos Génesis.

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Nota - A capa de "Music from the Big Pink", dos The Band, é uma pintura Bob Dylan.
Banda Sonora : I Can’t Take my Eyes from You – Frankie Valli & The Four Seasons

domingo, agosto 07, 2005

O Irlandês Irascível

Há vozes que nos acompanham durante tanto tempo, que mesmo que não os conheçamos pessoalmente os "donos", nos parece que sempre os conhecemos, e o nosso afecto por eles acaba por ser tanto como aquele que temos por alguém da família. É o que se passa comigo em relação ao Van Morrison. Aquela voz peculiar soa-me como sempre tendo feito parte da minha vida.
aqui falei do seu aparecimento nas minhas aventuras musicais, ainda integrado no seu grupo de rythm’n’blues, os míticos Them, através do lendário Em Órbita. Notava-se da parte do locutor de então, que seria o Pedro Castela, a simpatia que nutria por aquele grupo. Que merecia. Era um grupo enérgico, transbordante de talento, agressivo, mas de uma agressividade que nos agradava. Não havia ninguém no meu círculo de amigos que não gostasse deles, e principalmente daquele irlandês que cantava e era a sua imagem de marca. Ouvi tanta vez o 1º álbum deles que se gastou.
E aquela voz, quase irascível, correspondia a um feitio e um carácter a condizer. E foi esse feitio que o levou a romper com os companheiros, facto que me penalizou.
Mas a verdade é que durou pouco a desilusão. A sua carreira a solo começando algo titubeante com um álbum pouco mais que razoável, atingiu com o 2º, Astral Weeks, um ponto que poucos esperavam. Ainda hoje é considerado um dos 10 grandes álbuns da música popular, e por muito que se ponham em causa estas classificações, a verdade é que terão sempre alguma importância.
No ano seguinte seria a vez de Moondance, que incluía a canção com o mesmo nome, outro belíssimo trabalho, a lançar Van para uma carreira que atingiria o seu auge criativo durante os anos 70, longe das modas do glam-rock ou do disco-sound, antes fiel às suas origens.


A partir de então, a sua carreira tem sido fecunda, com a sua poesia simples, mas magnífica, servindo a sua “alma” musical, sempre baseada nos blues e no espírito céltico da sua homeland, e deixando vir muitas vezes ao de cima o seu gosto pelo jazz

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(A Irlanda já lhe prestou um tribute filatélico

Os seus albums vão-se sucedendo a uma média bienal, por vezes até, anual, o que é notável em termos de criatividade, tanto mais que raramente a sua qualidade desce abaixo do bom, pelo que, e uma vez que são tantos e tão bons, me é difícil dar conta dos meus preferidos, embora um álbum como Avalon Sunset, só pelo facto de incluir uma das mais belas canções de amor de todos os tempos, Have I told you lately that I love, me vir imediatamente à cabeça. Mas Tupelo Honey é sem dúvida uma das suas obras maiores.
Assinaláveis também, os álbuns que tem gravado em parceria, mormente Tell me something, com canções de Mose Allison, e interpretado pelos dois juntos com Georgie Fame, companheiro musical assíduo de Van desde os anos 60, ou You win again, gravado em dueto com Linda Gail Lewis, irmã do old-rocker Jerry Lee Lewis.
De referir que Van Morrison vai cá estar a 4 de Outubro ao pavilhão Atlântico e que um espectáculo dele é sempre a não perder.

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Astral WeeksMoondanceAvalon sunset


terça-feira, agosto 02, 2005

1967 - O Verão do Amor

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O de 1967 foi um Verão escaldante em muitos aspectos, mais nomeadamente, e é isso que aqui importa referir, a nível musical.
Por cá, estava-se em consonância, atrasada como sempre, mas ainda assim, com o que soprava lá de fora. Os Porfírios iam de vento em popa (aproveito para esclarecer que nunca fui cliente) com as suas camisas floridas e as calças boca-de-sino, e os bailes, da Academia de Santo Amaro aos Combatentes, da IncrívelAlmadense à Voz do Operário, passando por todas as boites da moda, dançavam ao som dos Troggs e de Dave Dee, dos Kinks e dos Stones.

Mas emergiam então vários nomes notáveis. Aretha Franklin, ainda há pouco tempo considerada pela conceituada revista Mojo, a maior vocalista de todos os tempos, gravava um espectacular “Respect”, que toma de assalto todas as charts:


Seria nesse Verão que sairia o primeiro album conceptual psicadélico, “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, ainda hoje considerado por muitos a obra mais completa de sempre da música popular anglo-americana (mas sobre isso darei destaque um dia destes, dada a sua importância), e seria também então que emergiria de um semi-anonimato, aquele que ainda hoje é talvez o maior mito da guitarra de todos os tempos, Jimi Hendrix.
Chas Chandler,baixista dos Animals e produtor musical, descobrira-o quando era o frontman de um grupo chamado Jimmy James & the Blue Flames, e depois de audições em que tocou com Noel Redding e Mitch Mitchell, que levaram a que gravasse o seu primeiro grande hit, “Hey Joe”, no início do ano. Mas seria no lendário Monterey Pop Festival, de cujo cartaz faziam parte, entre outros, os Jefferson Airplane, os Who, Janis Joplin ou Otis Redding, que o virtuoso se tornou mito, e personagem do imaginário de toda uma geração, após a execução de uma orgasmática versão do “Wild Thing”, dos Troggs, que acabou com o lendário guitarrista a pegar fogo à sua guitarra

Como se tal fosse pouco, o Festival de Monterey assinalou o início de um Verão mítico em que a força criadora das bandas da West Coast explodiria definitivamente, e todos os caminhos iam dar a San Francisco, onde o movimento hippie, então já ultrapassada a sua fase embrionária, tinha a sua explosão definitiva. Era o tempo dos Airplane e dos Mamas and Papas, de Freak Out, de Frank Zappa e dos Mothers of Invention, e de Light my fire, dos Doors.
Era, em Inglaterra, tempo dos Procol Harum com o seu hino, Whiter Shade of Pale.
Era, enfim, o ano em que toda a gente queria ler Kerouac, o tempo de promessas de um Verão de amor, e início de uma era de paz, da vida em comunidade, de contestação a todas as guerras. Era o sonho da Flower Power
Infelizmente, o sonho durou poucos anos, e deixou marcas, nem sempre as melhores, e que ainda hoje persistem. And you know what I mean

Jefferson Poster


Era para ter começado ontem esta minha viagem pelo Verão de 1967, mas o servidor da netcabo frustrou-me as intenções, e não fazia sentido escrever algo sem inserir música a condizer. Inicia-se hoje, portanto, o ciclo.
Foram muitas as músicas que o fizeram, e farei o possível por ir aqui pondo algumas delas, renovando-as sempre que possa. Hoje, ficam as duas aí em cima, que fizeram história nesse mítico ano, e deixo mais a que está a seguir, e que foi, sem dúvida, o grande hino da geração hippie, pelo menos durante esse ano, especialmente dedicada à Jacky e à TrintaPermanente, que gostam de usar flores no cabelo

Scott McKenzie - San Francisco (be sure to wear some flowers in your hair)