domingo, dezembro 30, 2007

Notas sobre a popularidade, sucesso e outras efemeridades

A evocação recente no Ié-Ié dos Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick and Tich, grupo hoje só presente na memória de alguns poucos interessados no fenómeno musical da década prodigiosa, remeteu-me a nomes que costumo incluir num grupo restrito dos que, tendo feito então grande sucesso comercial, nunca conseguiram atingir aquela importância que os tornasse referências de gerações posteriores.
Entre outros, farão parte desse “saco“, por exemplo, os Herman’s Hermits, um grupo do qual o nome mais conhecido era o do vocalista, Peter Noone, adolescente senhor de uma voz…digamos, característica. Não vou fazer aqui uma retrospectiva da história do grupo - deste ou doutro - pois tal se tornaria fastidioso, além de que, para os interessados, basta uma busca na net e tudo se encontra. Limito-me a deixar umas ideias que tenho sobre os ditos.
Que até começaram bem a carreira, com “I’m into something good”, de Carole King e Gerry Goffin, um excelente single, cuja linha melódica e harmonia vocal se assemelhava muito ao que os Beach Boys e outros grupos da Califórnia faziam.

Herman's hermits - I'm into something good

O problema é que o produtor, Mickie Most, não tinha muita paciência para afinar os grupos em estúdio, e os do Herman’s, não eram especialmente dotados. E assim, decidiu-se que, para se aproveitar a onda do sucesso, os seguintes singles seriam gravados por Peter Noone, apoiado em músicos de estúdio, tendo sempre em conta a não utilização de meios muito complexos que depois, não pudessem ser usados em palco pelo grupo.
E comercialmente a manobra compensou. Os anos de 65 e 66, foram prósperos, e os singles nos tops sucediam-se. Mas as cedências a nível artístico iam-se avolumando. Queria-se chegar àquela faixa adolescente que gostava de música sem grandes artifícios e que ficasse no ouvido à primeira. E assim surgiram coisas como “Mrs. Brown you’ve got a lovely daughter” ou “I’m Henry the VIII, I am”. Obviamente, as vendas subiam. “No milk today”, de fins de 66, talvez o seu maior sucesso de vendas, juntamente com “There’s a kind of hush”, tem uma linha melódica de sucesso garantido, mas a nível de líricas é quase pateta, isto numa altura em que o que se dizia começava a ter tanta relevância como o que se tocava. Assim, o respeito do público mais maduro era difícil de conseguir.
Estas fórmulas fáceis têm vida curta, e foi o que sucedeu com os Herman’s Hermits, cuja estrela começou a empalidecer irremediavelmente a partir de 68.
Outro desses grupos, mas este muito mais respeitado a todos os níveis, foi o dos Hollies, grupo onde pontificava Graham Nash.
Desde o início, os Hollies sobressaíam sobretudo pelas harmonia de vozes - que de alguma forma Nash levou para os CSN - e pelo vibrante optimismo das suas composições, muito influenciados pelos Beatles ou Everly Brothers, aventurando-se mais tarde, principalmente de fins de 66 a fins de 67 - periodo muito fecundo, em que editaram 3 Lp’s - no campo psicadélico.
Mas o sucesso não foi grande, nomeadamente com o último da série, o magnífico Butterfly, e o retrocesso, numa cedência clara aos interesses comerciais das editoras - e dos próprios - dá-se logo nos inícios de 68, com o lançamento do melado “Jennifer Eccles”, single que ascende ao top 10 britânico.

The Hollies - The air that I breathe

O problema dos Hollies reside assim na incapacidade em fazer a sua música evoluir e a saída de Nash para se juntar a Crosby e a Stills é fatal.
Ainda lhes estava reservado um grande sucesso comercial, “He ain’t heavy, he’s my brother” - provavelmente uma das suas melhores composição, a par de “The air that I breathe” - mas seria esse o canto do cisne. As posteriores tentativas de volta à ribalta (uma delas incluindo o filho pródigo Nash), verificaram-se infrutíferas.
Deixo uma nota final: apesar de terem sido por vezes, apelidados de elitistas e até de arrogantes, os produtores do Em Órbita sempre “passaram” com assiduidade os Herman’s Hermits ou os Dave Dee’s. Quanto aos Hollies, nem havia razão para os não “passar”.


(continua)

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sábado, dezembro 29, 2007

A 1ª música da história do rock and roll?

Há uns dias atrás, morreu um dos bad boys dos r’n’blues, mas não só. Ike Turner, mais conhecido como vilão que como músico, além de ter sido o “descobridor” do talento da sua então mulher, Tina Turner, bem expresso no lendário “River deep, mountain high”, foi também o presumível autor da 1ª música da história do rock and roll, “Rocket 88”.
Gravada em colaboração com o saxofonista e vocalista Jackie Brenston, a canção seria editada num disco de Jackie Brenston & His Delta Cats, e não de Ike Turner & His Kings of Rhythm.


Ike Turner & Jackie Brenston - Rocket 88

terça-feira, dezembro 25, 2007

Incontornáveis/1965 (2ª parte)

Highway 61 Revisited - Bob Dylan - Se havia dúvidas quanto ao papel fundamental que Dylan teria na nova música norte-americana, Hihgway 61, dissipou-as definitivamente.
Com "Like a rolling stone", Dylan tinha já acabado com o mito de que as canções para terem êxito, não deveriam exceder os 3 minutos. Em Highway, onde “reincidiu” no pecado, foi mais além, e atreveu-se a gravar uma faixa com mais de 18 minutos, "Desolation Row". Mas ali, nada estava a mais. As músicas de Dylan pareciam sempre ter a dimensão exacta. Mas para além de tudo o mais, o álbum é a confirmação do Dylan definitivamente “electrificado”, para o que contou com a colaboração do notável Michael Bloomfield. Uma nota final para referir que nele se inclui uma das minhas canções preferidas de Dylan, “Ballad of a thin man”.
Rubber Soul - The Beatles - O segundo Lp de 65 dos quatro de Liverpool é considerado por muitos, o seu melhor. Não chegando a tanto - já expliquei da minha dificuldade em fazer tal eleição, face á tão elevada qualidade de todos eles - direi que é sem dúvida uma obra maior. George Harrison começa a “aparecer” com assiduidade, novos sons são utilizados, como a cítara em Norwegian Wood, e finalmente as linhas criativas de Lennon e MacCartney começam a distinguir-se, embora a obra continue a manter-se homogénea. De Girl a Michelle, de Nowhere Man a If I needed someone, não há que enganar, estamos em presença de uns Beatles mais pujantes de criatividade que nunca, e não só no plano harmónico: também as líricas passavam a ser mais elaboradas, por vezes até ambíguas. Até a capa, muito cuidada graficamente, dá a dimensão do profissionalismo, do cuidado com os detalhes que era patente em cada obra dos Fab Four.
Mr. Tambourine Man - The Byrds - Do outro lado do Atlântico, surgiam novos ventos, estes muito influenciados por Dylan e Beatles.
Os Byrds são o grande grupo do novo folk-rock que fazia então a sua aparição e se apresentava com dimensão suficiente para fazer face à onda britânica que varria os Estados Unidos. Mr. Tambourine Man é um dos melhores álbuns de estreia de todos os tempos, de um grupo de música popular. A conjugação do folk e do rock é perfeita, a viola de 12 cordas de Roger McGuinn um sinal distintivo, e quem atentar bem, pode verificar que laivos de psicadelismo já transpareciam desta obra.
Depois…bem, depois, muitas vezes os Beatles se inspirariam na sonoridade dos Byrds.
My Generation - The Who - De entre a miríade de grupos britânicos que despontavam à altura, os Who, ex-High Numbers, foram, fora de dúvida, dos mais importantes. Se havia um grupo com o qual a juventude londrina se identificava, era sem dúvida com os The Who, pela sua postura, pela evidência da sua rebeldia em palco. Neste Lp de 65, que incluía os seus dois 1ºs grandes hits, "I´can’t explain" e "My Generation", era o espelho da energia dos 4 jovens músicos e ainda mais, a evidência de que um novo grande criador, Townshend, despontava na cena musical britânica.
For Your Love - Yardbirds - Este álbum dos Yardbirds, além da evidente qualidade musical, tem a curiosidade de ter sido publicado quando o solista era já Jeff Beck, mas cujos temas tinham sido, na sua maioria, gravados quando ainda Clapton fazia parte do grupo. Eric, então um fundamentalista dos blues, não aceitou as concessões feitas em "For Your Love" (ai! aquela harpa eléctrica de Brian Auger…) e partiu, o que não impediu os Yardbirds de cumprirem um percurso tão notável, que acabaria por desembocar nos Led Zeppelin. Uma nota final para acrescentar que a canção que dá nome ao álbum, ainda é por muitos críticos musicais, considerada a primeira música psicadélica de sempre.
Take it easy with - The Walker Brothers - Apesar do prazo de duração dos Walker Brothers ter sido curto, é indiscutível a marca que deixaram na cena musical londrina, firmada muito principalmente no conjunto de vozes excepcional, muito á semelhança dos Righteous Brothers, do qual sobressaía sem esforço a de Scott Walker, que para além da potência vocal que patenteava, era um excepcional performer e exigentíssimo profissional no que dizia respeito a reportório (facto que, de alguma maneira, lhe tem limitado a carreira). Este Lp era bem demonstrativo de todas as faculdades que lhe aponto. O album abre logo com uma das mais inspiradas (e difíceis) canções de Bacharach, “Make it easy on yourself”, e prossegue numa catadupa de belíssimas baladas, todas de gosto apurado e excepcionalmente vocalizadas por Scott.. De destacar ainda a sua versatilidade, demonstrada, por exemplo, na sua versão de "Land of 1000 dances", de Domino, ou da universal "Dancing in the Street". Um registo assinalável e imperdível.
Kinks-Size - The Kinks - Por meados de 65, os Kinks era um grupo de créditos firmados, uma garantia de êxito em cada lançamento. Juntamente com os Beatles e Rolling Stones, embora em patamar ligeiramente abaixo, eram dos grandes dominadores das charts. Neste registo, incluíam-se dois dos seus maiores êxitos, "Tired of waiting for you" e "All day, and all of the night", ambas pontuadas pela inimitável guitarra de Dave Davies, até então a imagem de marca do grupo. Mas incluía também clássicos dos r’n’blues, além de uma excelente versão de "Louie, Louie" de Berry, na minha opinião a melhor das que ouvi, e foram muitas, além do extraordinário "Revenge", um instrumental que se tornaria genérico do mítico Em Órbita.
Era pois, um Lp de grande qualidade que augurava uma grande carreira aos Kinks nos dois lados do Atlântico. Contudo, e por motivos ainda hoje desconhecidos, no final do ano, o grupo seria banido dos EUA e proibidos de voltar durante alguns anos, facto que constituiu rude golpe nas suas aspirações, uma vez que ficavam privados de um enorme mercado. Mas como a moeda tem sempre dois lados, este acontecimento determinou uma mudança quase radical na vertente criativa do líder do grupo, Ray Davies, que se tornaria mais introspectivo e socialmente um crítico certeiro, inspirado e mordaz.
The Pretty Things - Os r’n’blues ingleses no estado puro! Era o que se poderia dizer para resumir o “sumo” deste Lp completamente anárquico. Os Pretty Things empunhavam os instrumentos, “atiravam” as vozes de forma quase selvagem, o que dava uma imagem muito concreta da sua postura, fosse no palco ou no estúdio. Quem ouvir as faixas "Rosalynn", "Roadrunner" ou "Hey Mama, keep your big mouth shut", apercebe-se de imediato da energia que transpirava do grupo. Era como que ouvir uns Rolling Stones enfurecidos. É verdade que esta postura lhes trouxe muitos dissabores, por vezes mesmo, violentas refregas durante os concertos, mas ao mesmo tempo, levou-nos por terrenos que nenhum outro grupo ousou pisar.
This is - The Ivy League - Vocalmente, os Ivy League, muito dentro da tradição das harmonizações norte-americanas de Franki Valli e os FourSeasons, eram do melhor que a Grã-Bretanha tinha para oferecer. Como já aqui referi, em pouco tempo, os Ivy League tiveram uma sucessão de grandes êxitos. Lamentavelmente, embora muito talentoso, este trio mostrou ser altamente instável, do que resultou a sua curta carreira. Ainda tentaram a sua reconversão com uma mudança de nome, Flowerpot Men, que conseguiu um grande sucesso de vendas com a canção "Let’s go to San Francisco", navegando a onda psicadélica e o Summer of Love, mas ficar-se-iam por aí.
Este Lp, que incluía os seus sucessos maiores, "Tossing and turning" ou "Funny how love can be", é extremamente difícil de encontrar. Felizmente, há poucos anos, a Sequel lançou um duplo cd intitulado Major League, que compilava praticamente toda a discografia do grupo.

Singles de 65

I’m alive - Hollies
You’ve got your troubles - Fortunes
We’ve gotta a get out of this place - Animals
Cry to me - Pretty Things
Catch us if you can - Dave Clarck Five
Everyone’s gone to the moon - Jonathan King

See my friend - Kinks
All I really wanna do - Byrds
I got you, babe - Sonny and Cher
Watcha gonna do 1bout it - Small Faces
Make it easuy on yourself - Walker Brothers
Satisfaction - Rolling Stones
Any day now - Alan Price Set
My generation - Who
Universal Soldier - Donovan
If you gotta go, go now - Manfred Mann
Hang on sloopy - McCoys

Evil hearted you - Yardbirds
That means a lot - P.J. Proby
Eve of Destruction - Barry McGuire
It’s good newsweek - Hedgehoppers Anonymous
Get Off of my cloud - Rolling Stones
It’s my life - Animals
Love is strange - Everly Brothers
Turquoise - Donovan
A well respected man - Kinks
Yesterday - Marianne Faithful
Till the end of the day - Kinks
Midnight hour - Wilson Pickett
Mystic Eyes - Them
Maria - P.J. Proby
Keep on running - Spencer Davis Group
Rescue Me - Fontella Bass
Day Tripper - Beatles
A lover’s concert - Toys
Groovy kind of love - Mindbenders
My ship is coming in - Walker Brothers

quinta-feira, dezembro 13, 2007

E agora, para algo completamente diferente..

Este ano de 1965 foi de grande mudança, a nível pessoal, especialmente na minha pacata vida de estudante.
Após uma meteórica passagem de 15 dias pelo Liceu Gil Vicente, o meu percurso liceal limitara-se às paredes do Liceu Normal de Pedro Nunes, trocado então nesse longínquo ano pelas do Passos Manuel.
Os meus sentimentos pelo liceu Pedro Nunes - entidade abstracta, entenda-se - ainda hoje são um misto de saudade/desprezo. Foram anos de grande aprendizagem, não só de conhecimentos, mas também de relações pessoais e institucionais. Mas ao mesmo tempo, foi lá que me apercebi que não era preciso ir até às Índias para conhecer a separação de castas.
O Pedro Nunes desses tempos, era como que a “montra” do regime. As regras iam desde a obrigatoriedade de usar gravata (o que para um rapaz de 11 ou 12 anos é mais ou menos uma coisa “chata”, mas que para um de 14 ou 15 passa a ser uma abominação), até à proibição de jogar futebol nos recreios, ou sequer de o praticar durante as aulas de Educação Física. Isso mesmo! Podia-se jogar basquete, andebol ou badminton. Futebol, nunca!. Diga-se que tal sempre me foi um bocado indiferente uma vez que nunca fui grande espingarda a jogar com os pés, mas irritava-me a limitação imposta, até porque não tinha explicação aparente, embora saiba hoje que tinha a ver com a perspectiva que a inteligentzia de então tinha sobre quais os desportos mais adequados á sua elite juvenil. Ora o futebol é reconhecidamente um desporto de massas, e à altura, praticado quase exclusivamente por analfabetos, quando muito, por mocetões que acabavam a custo a 4ª classe.
O Pedro Nunes era um exemplo de segregação. As turmas eram seleccionadas rigorosamente. Era sabido que a turma A de cada ano era poiso para os filhos dilectos do regime. Da turma A do 6º ano, por exemplo, faziam parte o Marcelo Rebelo de Sousa, o Mega Ferreira, outros insignes com Ricciardi e Coutinho no nome, e as notas não tinham qualquer peso. Da B, faziam parte os que não cabiam na A e mais os que tinham tido melhores notas no ano anterior. Da C para a frente - normalmente ia até à E ou F - era mais ou menos à molhada. Digamos que da A faziam parte as certezas, da B as esperanças, e das restantes…o resto. Por curiosidade, no meu último ano de Pedro Nunes, anterior portanto ao meu exílio dourado no Passos Manuel, o Liceu Normal deixara de ser um liceu exclusivamente masculino, e passara a integrar (na turma A do 6º ano, pois claro, aquele em que MRS era cabeça de cartaz ) 10-meninas-10! Aquilo no meio de umas centenas de rapazes recém adolescentes, não sei se estão a ver! Ah! E claro que tinham sido escolhidas a dedo. Uma das 10 prendadas moçoilas era a Ana Zanatti.
O mais curioso, era que a distinção, chamemos-lhe assim, ia até aos professores. Os melhores para as turmas “seleccionadas”. Por exemplo, o insígne Rómulo de Carvalho (o pseudónimo usado como poeta - António Gedeão - identificá-lo-á melhor, decerto), era mestre de Físico-Químicas exclusivo das turmas A, bem como o professor de matemática Palma Fernandes, autor dos, na altura, mais conhecidos manuais de exercícios dessa matéria.
As casas de banho, normalmente abjectas, eram as “salas de fumo” de alguns mais precoces viciados, e as sessões de fumo nos intervalos das aulas, o único sinal subversivo mais ou menos detectável. O movimento político estudantil era larvar, mas corriam rumores - e digo-o assim porque nunca fui aliciado para ele - que se chamava Pró-Associação, e que dele faziam parte dois dos meus colegas de turma, o meu parceiro de carteira, o S.P., fraco estudante mas excelentíssimo desenhador e pintor, o melhor de todo o liceu, e o Zé A., um rapaz muito discreto e bom aluno que desapareceu durante umas férias sem deixar rasto. Constou na altura que teria sido preso pela PIDE, mas nunca tive confirmação da veracidade da história. Ah! E numa manhã de 2ª feira, quando entrámos no liceu, as paredes das salas e corredores, e os pisos dos recreios, estavam cobertos com slogans anti-regime e principalmente, anti-guerra colonial, comparando alguns, a guerra em Angola, com a revolta dos escravos. Valeu-nos um “feriado”.
É pois neste ambiente que faço o exame do 2ª ciclo. Ou melhor, os exames das disciplinas de Ciências, porque as Letras tinham ficado pelo caminho graças à malfadada História, para sempre o meu calcanhar de Aquiles, e a uma altercação logo no início do ano, com a professora de Francês, que nunca mais me perdoou o atrevimento, e me correu a negativas em todos os períodos.
Ora outra das “leis” do Pedro Nunes era não poder haver “buracos” entre uma aula e a seguinte, e foi assim que fui mandado para o Passos Manuel, visto só ir ter aulas correspondentes às disciplinas de Letras.
O choque não podia ter sido maior. Até futebol se podia jogar! Mas foi principalmente na “atitude” que cada um tinha, que se verificavam maiores diferenças. No PN aceitavam-se as regras, e os sinais de rebeldia eram ténues: uma ou outra “falta de castigo” nas aulas de Canto Coral do prof. Cirilo, e pouco mais. No Passos Manuel, tudo era diferente. A primeira amostra, tive-a por causa da disciplina de Religião e Moral. Era hábito (no Passos, claro, no Pedro Nunes, nem pensar) os alunos cujo credo não se coadunasse com a religião vigente - ou àqueles para os quais aquela disciplina não tinha qualquer interesse - pedirem no início do ano ao professor indigitado, escusa de assistirem a essas aulas. Calhou-nos um jovem padre acabadinho de sair do seminário, e que por qualquer motivo obscuro, decidiu declinar todas as autorizações. Nem depois de instado pelos interessados, condescendeu. Ora tal atitude foi considerada uma provocação que não podia ficar impune, e a forma de protesto não se fez esperar. Devo dizer, antes de prosseguir, que como não frequentava uma parte substancial das aulas, as correspondentes a Ciências, não fui posto ao corrente da situação.
Assim, na aula de Religião e Moral seguinte, fiquei surpreendido por ver as carteiras bem separadas em duas alas, e nem tive tempo de perguntar o porquê daquela disposição, porque logo de seguida entrou o padre. Ou por outra, tentou entrar. É que mal assomou á porta, estalou uma batalha campal entre os meus colegas, artificialmente divididos em duas facções. Só tive tempo de me esconder debaixo da carteira, porque pernas de cadeira, tinteiros de louça, e outras inusitadas armas, voavam-me perigosamente sobre a cabeça. Mas deu para ver que o pobre padre ia ficando cada vez mais pálido. Ainda tentou entrar na sala, mas uma perna de cadeira que embateu na parede mesmo junto à ombreira da porta, dissuadiu-o. Virou as costas, e só voltou uns minutos depois acompanhado do reitor. Mas nessa altura, já todos nós tínhamos alinhado convenientemente as carteiras, onde nos sentávamos, direitos e circunspectos. Da refrega, o único sinal eram dois vidros partidos… e várias cadeiras despernadas.
Resultado: como não houve quem denunciasse os mentores dos distúrbios, a turma foi suspensa por uns dias, coisa que não me aborreceu minimamente. E a partir desse dia as aulas de Religião e Moral passaram a ser imperdíveis.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Incontornáveis/1965 (1ª parte)

Se o ano de 64 marcou o arranque da British Invasion, com os Beatles a ocuparem os tops de vendas na América, 1965 foi, não só o da consolidação do ataque dos grandes grupos britânicos ao enorme mercado dos EUA, mas também como que um despertar dos americanos para o que estava a acontecer e a tentarem reagir. Mas a verdade, é que a grande novidade vinda do outro lado do Atlântico foi mesmo a “electrificação” de Dylan, e a sua quase “excomunhão” e expulsão do seio dos fundamentalistas da “Folk music”.
O ano começa com I Feel Fine no 1º lugar de vendas e por lá se manterá mais algum tempo, pelo menos até Georgie Fame aparecer com uma pequena canção que faria época, Yeh, Yeh, e os destronar, para seguidamente ser substituído pelos Moody Blues com Go now
Mas começando com os àlbuns:
Bob Dylan/Bringing it all back home - É esta obra que opera definitivamente a mudança anunciada. E os que auguraram então que Dylan tinha escrito a sua própria sentença de morte, não ouviram o Lp. Este, é uma sequência musical impressionante, já para não mencionar a elevada craveira poética, ao nível do melhor Dylan de sempre. Da explosão de sons e palavras de Subterrranean homesick blues, ao lirismo puro de It’s all over now, baby blue, e passando pelos extraordinários It’s alright, Ma ou Maggie’s Farm, não se consegue detectar fraquezas ou alvitres de moribundo.
The Beatles/Help - Poder-se-ia dizer que Help é a banda sonora do 2º filme dos Beatles. Ou que é o álbum que inclui um dos hinos dos Beatles, Yesterday. Mas qualquer das duas pequenas definições pecariam por injustas, tendo em conta que o Lp inclui canções tão memoráveis como You’ve got to hide your love away, You’re gonna lose that girl ou I need you. Será que na altura se poderia fazer melhor? Eles dariam a resposta uns meses mais tarde.
The Rolling Stones/Out of our heads -Os Rolling Stones seguiam o seu caminho nos r’n’blues, evoluindo na composição embora este álbum ainda tenham pouco peso os originais (curioso será referir que entretanto, os Stones editariam o seu maior êxito de sempre, “Satisfaction”). Mas Heart of Stone era demonstrativo que se estava em presença de uma dupla que prometia, apesar do Lp no seu todo ser, em minha opinião, mais fraco que o anterior. Como apontamento, deste Lp constava “The under assistant West Coast promotion man”, uma das mais desconhecidas canções dos Stones, mas ao mesmo tempo, uma das minhas favoritas.
De referir ainda que este Lp, quando editado nos EUA, é significativamente superior ao de edição inglesa (mesmo a capa é divergente), já que inclui não só Satisfaction e The last time, mas ainda Play with fire, da dupla Nanker/Phelge, tal como o Under Assistant.
The Kinks/Kinda Kinks - O Kinda Kinks é um álbum que define Ray Davies como um dos grandes compositores emergentes no Reino Unido. Com efeito, e exceptuando duas canções, uma delas uma excelente cover de Dancing in the street, de Gaye, são todas elas da autoria do mais velho dos Davies, das quais sobressaem sem dificuldade Wonder where my baby is tonight ou Tired of waiting for you, esta um dos grandes sucessos do grupo.
Them/The Angry Young Them - Um dos grandes acontecimentos do ano é seguramente o lançamento deste Lp que celebrará Van Morrison como uma das grandes vozes do r’n’blues brancos. Tenho que referir que, e até hoje, é um dos meus álbuns favoritos, talvez porque se trate de uma obra simples, sem artifícios, o r’n’blues em estado puro, selvagem por vezes, como sugere o nome com que foi “baptizado” em alguns países: The Angry Young Them.
Quem conseguirá ouvir indiferente canções como Mystic Eyes ou If you and I could be as two? Quem resistirá à aceleração supersónica de Gloria? Notáveis ainda, as versões de Route 66, de Troup, e de Bright Lights, Big City, de Reed.

Singles dos primeiros meses:

- Go now - Moodyblues
- You've lost that lovin' feeling - Righteous Brothers
- Come tomorrow - Manfred Mann
- I can’t explain - The Who
- Tired of waiting for you - The Kinks
- Time is on my side - The Rolling Stones
- Tell her no - The Zombies
- The game of love - Wayne Fontana & the Mindbenders
- Don’t let me be misunderstood - The Animals
- Yes, I will - The Hollies
- Funny how love can be - The Ivy League
- It´s not unusual - Tom Jones
- Come and stay with me - marianne Faithful
- Concrete and clay - Unit 4+2
- Here comes the night - Them
- Catch the Wind - Donovan
- For your love - Yardbirds
- Ticket to ride - The Beatles
- That’s why I’m crying - The Ivy League
- Mr. Tambourine Man - The Byrds
- Poor Man’s son - Rockin’Berries
- King of the road - Roger Miller
- Subterranean Homesick Blues - Bob Dylan
- Anyway, anyhow, anywhere - The Who
- Set me free - The Kinks
- I’m alive - The Hollies
- Long live love - Sandie Shaw
- Satisfaction - The Rolling Stones
- Heart full of soul - The Yardbirds
- Colours - Donovan
- Tossing and turning - Ivy League

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segunda-feira, dezembro 03, 2007

Canções...diferentes - The Shadows

Os Shadows eram, nos inícios dos anos 60 um grupo muito conceituado em todo o mundo, tal como o artista a que geralmente serviam de banda de apoio, Cliff Richard.
Nunca foram "santos da minha devoção". Claro que eram excelentes executantes, nomeadamente o seu solista, Hank Marvin, mas faltava-lhes chama, improviso. Tocavam umas músicas muito certinhas, não havia uma desafinação a apontar, mas...havia ali muito pouca alma, se é que me explico bem.
Bom, mas os "afinadinhos" certa vez lá pelos idos de 65 - quiseram fazer qualquer coisa de diferente e sairam-se com este "Rythm and Greens".

The Shadows - Rythm and Greens

Não sei qual foi a intenção dos rapazes, mas lá que a "coisa" saiu diferente daquilo que era habitual fazerem, lá isso saiu. E eu até gostei.

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