quarta-feira, julho 27, 2005

Josh Rouse, ou o gosto por canções simples


Gosto de canções simples. Penso que uma canção pop é isso mesmo, uma canção simples. E essa simplicidade não implica que não se lhes exija qualidade. É claro que aqui está subjacente um critério de apreciação que é só meu
Habituei-me a ouvi-las há muito, quando a melodia escorria do som limpo da guitarra dos Searchers ou da voz de falseto de Frankie Valli, do piano de Georgie Fame ou da voz aparentemente frágil de Rod Argent.
Ouço quase todo o tipo de música. Há muito tempo que evito música heavy, embora abra sempre uma excepção para os Led, e nunca ouço rap. De discoteca, também ouço raramente, mas sinto saudades dos Propellerheads, e não sei se os LCD Soundsystem se enquadram na definição.
Gosto de Cohen, de David Sylvian, e de muitos catalogados como independentes. Mas o que eu evito mesmo, é ouvir alguns autores depressivos, em demasia. Passo um dia inteiro com Van Morrison, John Lee Hooker ou Ryan Adams, mas nunca ouço mais que 2 músicas do Elliot Smith. Gosto, mas fico por aí. Detesto que a música me condicione negativamente o dia. Não tenho pachorra para andar a carpir mágoas ou a curtir depressões, quanto mais deprimir-me por causa alheia.
Gosto de canções pop e ouço com frequência. E passo à frente quando leio críticas preconceituosas de alguns críticos, nacionais ou estrangeiros.

Ultimamente tenho ouvido muito Josh Rouse. As suas líricas são excelentes, embora por vezes algo tristes, especialmente as dos seus dois primeiros álbuns, mas primordial é a música, suave mas bem balanceada, com influências inegáveis de Nick Drake, James Taylor e Carole King (aliás, o nome do seu penúltimo álbum, “1972” é uma referência à cantora norte-americana, autora da obra-prima, “Tapestry”). Tudo servido por uma voz gentil e bem modulada.
As suas raízes são “nashvillianas”, e embora sempre presentes, marcam posição reforçada no seu último trabalho, sintomaticamente intitulado Nashville, uma brilhante colecção de pequenas canções, todas elas verdadeiras pérolas de sensibilidade e requintado gosto musical, um rock-pop de uma simplicidade quase cândida, deixando-se muita vez embalar na nostalgia, sem nunca se deixar cair na lamechice.
Notável é verificar que a sua obra tem vindo em crescendo, o que me deixa sempre com uma curiosidade redobrada sobre o que virá a seguir.
Aconselho vivamente.

rousejoshjoshrousenashville



Banda Sonora :
Josh Rouse: Sad eyes, do álbum Nashville

domingo, julho 24, 2005

Vozes com cicatrízes

Há dias, ouvi um entrevista com o João Gil, onde ele, justificando a escolha de Nuno Norte para vocalista da sua nova banda, o Filarmónica Gil (interessante projecto, em que o narcisismo do nome era bem evitável), dizia que queria uma “voz com cicatrizes”, e a do Nuno, era assim.
Veio-me logo à ideia a voz da Marianne Faithfull, uma das minhas referências femininas de sempre, uma das primeiras deusas da música pop.
Filha da aristocracia inglesa, muito bela, foi descoberta pelo produtor dos Rolling Stones, Andrew Oldham, e foi com uma canção escrita por Jagger e Richards, As tears go by, um êxito a nível global, que se iniciou na que seria uma carreira longa e extremamente acidentada.
Tinha uma voz frágil, quase angélica. E uma beleza invulgar. Que, ao contrário de lhe servir de alavanca à carreira como se poderia supor, antes a prejudicou, apesar da legião de fãs que congregou à sua volta.
Com efeito, a ligação aos Stones, se lhe trouxe um êxito imediato, atirou-a para um longo e tempestuoso romance com Mick Jagger, e para uma extensa lista de episódios repletos de sexo e drogas. Ainda teve dois grandes êxitos, Come and stay with me e This little bird, mas pouco tempo depois, quase não gravava, e era quase mais reconhecida como groupie dos Stones (chegou a constar que se teria chegado a envolver sexualmente com todos os elementos do grupo),que como a cantora talentosa que se reconhecia ser.
Os anos finais dos 60’s e as décadas de 70, 80 e 90 decorreram assim de forma , entre desintoxicações, recaídas e tentativas de suicídio, mais ou menos graves. Pelo meio, a ruptura definitiva com Mick Jagger (ainda nos inícios de 70), e alguns trabalhos assinaláveis, entre os quais um álbum notável, Broken English, saído em 1979.

Ao que parece, a última desintoxicação, ocorrida já há uma dúzia de anos atrás, parece ter resultado. E se o talento de Marianne nunca se desvaneceu no meio de tantas atribulações, a sua voz sofreu uma transformação surpreendente, perdendo a sua fragilidade para se tornar uma voz estranha, rouca, muito característica e muito dentro da linha de uma Edith Piaff, por vezes agreste, mas sempre extremamente sensual.
Ao mesmo tempo, e dado o seu inegável talento como intérprete, muitos têm sido os nomes famosos que se lhe têm aliado, dando-lhe assim uma segunda oportunidade de carreira. E é assim que nos seus últimos trabalhos, a ouvimos em canções especialmente compostas para ela por Nick Cave ou P.J. Harvey, , Beck ou David Albarn.
À semelhança de Nuno Norte, as vozes de Joe Cocker, Rod Stewart ou Wilson Pickett, são poderosas. Sempre foram assim, e as mutações ocasionadas pela idade, a maturação natural que ela lhes dá, embora sensível ao ouvido de quem ouve, acaba não ser assinalável .
Ao contrário do que aconteceu com Marianne. Porque dificilmente se reconhecerá na voz madura e rouca da mulher que canta Crazy love em Before the Poison, o seu último trabalho, a adolescente que gravou As tears go by.
Na voz de Marianne notam-se bem as cicatrizes deixadas pelos anos excessivos

marianne Faithfull


Banda Sonora : Marianne Faithfull


As tears go by - 1964


Crazy Love - 2004

sexta-feira, julho 22, 2005

Judy in Disguise

Hoje queria falar de um uma coisa que me faz sorrir sempre: ver alguém de uma geração mais antiga que a da juventude, falar do alto do estatuto que a idade lhe concede, e afirmar que “dantes não era assim”, “que o respeito era outro”, e assim por diante, fazendo o discurso da “geração rasca”, com o qual nunca concordei.
Por vezes dá a impressão que a juventude só agora é indisciplinada, contestatária, por vezes até, desrespeitosa. Ora tal não corresponde completamente à verdade, embora, é verdade, se tenham agora chegado a extremos que nunca nós, na nossa pretensa irrreverência, ousaríamos sequer sonhar. Porque hoje deixo-vos um exemplo do que se passava no tempo em que decorreu a minha “golden era” e que pode dar uma imagem de como algumas coisas funcionavam.
É verdade que, na altura, ainda não havia drogas, o que, se era muito positivo, é ao mesmo tempo um motivo menos para desculpar os disparates que se faziam.
Mas vamos ao assunto.
Na altura, os role-models do jovem lisboeta eram os grupos musicais ingleses, e assim as modas por eles lançadas, eram seguidas quase com um rigor religioso. Qualquer coisa parecida com o que se vendia em Carnaby Street ou em Portobello Road, tinha sucesso garantido. Foram as calças boca-de-sino, as camisas de colarinho alto de 2 botões, os pull-overs muito curtos, acima do umbigo. E ainda me lembro do escândalo que fizeram as primeiras camisas floridas para homem, vendidas nos Porfirios.
Mas houve uma moda lançada, penso que pelos Beatles, de todo o grupo se vestir de igual. E essa foi uma onda que logo foi seguida pelos agrupamentos portugueses. Nessa altura, o Vasco Morgado, lembrou-se de promover concursos de grupos Yé-Yé. Assim mesmo, eram assim chamados, e não me perguntem porquê, porque não sei, a não ser que fosse pela recorrência da palavra yeah nas letras das canções inglesas de então.
Pois é, muito antes do Rock-Rendez-Vous, houve os concursos do Monumental.
E então era ver chegar de todo o Portugal, conjuntos de rapazes, na esmagadora maioria, cheios de boa vontade, mas com talento nulo para a música, afim de enfrentarem a multidão exigente que se sentava nas salas do cine-teatro. E digo-vos, era preciso muita coragem. A malta queria versões das canções que ouvia tocadas pelos Beatles, Stones ou Searchers, e não admitia desafinações ou fugas à melodia. E quando assim era, os apupos nem deixavam ouvir nada.
Mas isso começou a não chegar. Então eles vinham todos tão aprumadinhos, vestidinhos de igual e saíam de lá na mesma, só com os ouvidos cheios de insultos? Ná, havia que ir mais longe.
E foi assim que numa tarde de sábado (as eliminatórias eram nos fins-de-semana), alguém se lembrou de levar uns tomates bem maduros, que foram arremessados certeiramente ao primeiro grupo que prestou provas. E a partir desse dia, como a malta achou piada à iniciativa, já ninguém ia para os espectáculos sem as algibeiras cheias de tomates e ovos.
Digo-vos que cheguei a ter pena de alguns dos rapazes a saírem do palco, depois de meia dúzia de notas tocadas, chorosos e a olharem para os fatinhos feitos para a ocasião, e que só voltariam a servir depois de duas ou três limpezas. E lá se iam eles, feridos na alma e na dignidade. Compaixão por parte do auditório? Nem sinal, asseguro eu. No fim, a alegria era grande, e o dinheiro gasto era dado por bem empregue, mesmo que não se tivesse ouvido música nenhuma.
Uma nota para dizer, que os incidentes tomaram tal proporção que a polícia chegou a ser chamada, mas pouco podia fazer, porque era difícil localizar quem atirava o que fosse e a solidariedade era grande. Bufos, não havia. Uma vez os polícias, já exasperados por mais uma vez verem a missão gorada, mandaram levantar uma fila inteira: um dos “espectadores” tinha debaixo da respectiva cadeira um saco de viagem de razoável tamanho, ainda meio de tomates, ovos, e até batatas.
Agora reparo, que talvez a nossa intransigência, tivesse levado a que algum promissor músico a desistir, levado por aquelas reacções diria que quase irracionais.

Contudo, no meio da agitação ainda apareceram uns grupos razoáveis, mas esses já tinham estatuto, eram lisboetas ou do Porto, e eram habituais nas festas dos liceus. E esses eram ouvidos com muito mais respeito. Lembro-me dos Chinchilas, dos Sheiks (estes com um estatuto já demasiado elevado para irem aos concursos), do grupo do Eduardo Nascimento (que tinha um vozeirão e cantava bem, desde que fosse em inglês) ou o Quinteto Académico+2, que tinha uma versão do Judy in Disguise, do John Fred and his Playboy Band, que chegou a ser mais divulgada que a original.
E não havia ninguém que não tocasse o Winchester Cathedral, dos New Vaudeville Band. Acho que durante dois anos foi das músicas mais tocadas em todas as boites, da Lareira ao Pote. Do Forte Velho a Louisiana

John Frednewvaudeville band


Banda Sonora : John Fred and his Playboys Band – Judy in disguise (with glasses)


New Vaudeville Band – Winchester Cathedral

quarta-feira, julho 20, 2005

A melhor nata de Inglaterra

Quando Eric Clapton, pela altura considerado já o maior guitarrista da Grã-Bretanha, estatuto bem expresso pelas pichagens em muitas paredes de Londres que clamavam que “Clapton is God”, se decidiu a convidar o seu antigo parceiro nos Bluesbreakers de John Mayall, Jack Bruce (na altura nos Manfred Mann), e o temperamental baterista da Graham Bond Organisation, Ginger Baker, estava longe de prever o que de excessivo, quer positiva, quer negativamente, estava para vir.
Acontecia então o nascimento do primeiro super-grupo da história do rock. É que se Clapton tinha o estatuto que tinha, Bruce era o baixista mais conceituado do panorama musical londrino, e a criatividade revolucionária de Baker na bateria era reconhecida por todos os mais influentes músicos de então.
Clapton era um virtuoso, que no entanto, apresentava o óbice de, musicalmente, só conhecer as escalas usadas normalmente nos rythm’n’blues. Bruce era já um músico de conhecimentos muito abrangentes, que lhe permitia acompanhar todas as novas tendências que então tomavam conta de Inglaterra, com o psicadelismo a dar os primeiros passos, e Baker tinha também alguma experiência na composição de canções.
Era necessário lançar o grupo e não bastava apresentarem credenciais. Precisavam de música nova e ao fim de uns meses, a coincidir com o Natal, saiu o primeiro álbum, o notável “Fresh Cream”, que incluía o hit I Feel Free, que foi o primeiro single do grupo a entrar para o top 20 (já aqui referi a importância relativa que então tinham os singles), e era uma mistura de originais da banda com alguns blues tradicionais, como Spoonful, de Dixon, ou Rollin’and Tumbling, de Waters.

O segundo, Disraeli Gears, um álbum de músicas próprias, na sua maioria compostas por Jack Bruce (várias de parceria com Clapton) e do qual faziam parte os excelentes Sunshine of your love e Strange Brew, era um álbum colossal, uma extraordinária mistura de jazz, blues e psicadelismo, e augurava uma carreira extraordinária ao grupo.
Lembro-me que na altura, a revista francesa Rock&Folk, muito conceituada e que se dedicava quase exclusivamente à música anglo-americana, fazia uma espécie de balanço anual em que elegia os melhores álbuns, as melhores canções, e analisava também individualmente os músicos. E logo em 66, ano da criação dos Cream, a revista elegeu Clapton como o melhor guitarrista de rock, Bruce como o melhor baixista, e Baker o melhor baterista. E assim foi novamente no ano seguinte. E no seguinte...E imagino que assim continuaria a ser se o grupo tivesse sobrevivido mais tempo. Em 68, os Cream era um grupo que tinham um reconhecimento mundial ao nível de Jimi Hendrix e só abaixo dos Beatles.
Mas aquilo eram egos demasiado grandes para se conseguir a harmonia necessária à sua existência como grupo. Depois, se as relações entre Baker e Bruce nunca tinham sido amistosas, a convivência, ao invés de os unir, acentuou divergências, e diz-se que por várias vezes, os chegaram quase a vias de facto, tendo sido Clapton o fiel da balança, mas mantendo sempre um equilíbrio muito instável.
Os concertos, que começaram por ser espectaculares, o que não será de admirar face ao valor dos intérpretes, a breve trecho transformaram-se em exercícios narcísicos em que cada um dos três músicos se entregava a intermináveis solos improvisados. Não vou fazer juízo de valor sobre a questão, porque me parece que para quem assistia devia ficar maravilhado a assistir ao transbordar de talento daqueles três. Mas compreendo que tudo aquilo passou a ser quase uma disputa entre os três e que não augurava grande futuro ao grupo.
Ainda editaram mais um álbum, o duplo Wheels on fire, do qual fazia parte uma versão notável de Crossroads, um clássico de Robert Johnson, e Born under a bad sign, trabalho que atingiu os tops nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas o projecto estava esgotado, e nos inícios de 69, acabavam os Cream.
Bruce dedicou-se a uma carreira a solo, enquanto que Baker e Clapton se envolviam num projecto que teve curtíssima carreira, os Blind Faith, com Winwood e Rick Grech.
Já não me lembro como soube da notícia do fim dos Cream. Mas lembro-me que me custou a recuperar do choque.

Cartaz Cream


Banda Sonora : Cream - Strange Brew

segunda-feira, julho 18, 2005

O Herói Americano

Há pouco mais de um ano, no meu poiso mais antigo, transcrevia o seguinte artigo retirado da Visão de 13.05.2004
"O Pére Lachaise, cemitério parisiense onde se encontram mortos famosos como Chopin, Moliére ou Edith Piaf, comemora, no dia 20, 200 anos. Feito o balanço, os seus funcionários chegaram à conclusão de que, por eles, apenas se veriam livres de um dos residentes, por sinal, o mais visitado, Jim Morrison. Além de ser preciso um guarda só para vigiar o túmulo do ex-vocalista dos Doors, falecido em 1971, os seus fãs deixam no cemitério mais lixo e graffitis do que os funcionários desejariam,
Mas bem escusam de pensar em transladações. Morrison tem uma sepultura a título perpétuo
."
E acrescentaria eu:
Isto é que é ser incómodo até depois de morto. E já lá vão mais de 30 anos. Dou comigo a pensar na enormidade do mito de Jim, principalmente para a minha geração e mesmo alargando-se a outras bem mais recentes, e interrogo-me sobre se alguma das actuais estrelas pop conseguiria alcançar semelhante estatuto se agora morresse inusitadamente como morreu Morrison - ou nem tanto, afinal ele sempre disse que queria morrer novo para dar um cadáver bonito. Calculo que nem perto chegaria, se nem Kurt Cobain , Hendrix ou Elvis o conseguiram.


Na verdade, é espantosa a marca que Jim deixou através dos tempos. A sua música corre de gira-discos para player cd, as suas palavras saltam de boca para boca, independente das gerações. Porque tudo se mantém actual e inultrapassável. A irreverência de uma juventude responsável, apesar da crónica desconfiança das gerações mais velhas que teimam em tomar a árvore pela floresta, a crítica a uma sociedade cínica e cada vez mais desumanizada, a aversão declarada a uma guerra que com o tempo ultrapassou as fronteiras da Indochina para se tornar global.

Jim Morrison foi o último herói americano.
E as contínuas e diárias excursões ao Pére Lachaise são só uma demonstração de que a sua música permanece viva e perdurará.

Is everybody in?
Is everybody in?
Is everybody in?
The ceremony is about to begin.
WAKE UP!
You can't remember where it was
Has this dream stopped?
AWAKE
Shake dreams from your hair
My pretty child, my sweet one.
Choose the day and choose the sign of your day
The day's divinity
First thing you see.
A vast radiant beach in a cool jeweled moon
Couples naked race down by its quiet side
And we laugh like soft, mad children
Smug in the woolly cotton brains on infancy.
The music and voices are all around us.
Choose, they croon, the Ancient Ones
The time has come again.
Choose now, they croon,
Beneath the moon
Beside an ancient lake.
Enter again the sweet forest,
Enter the hot dream,
Come with us,
Everything is broken up and dances


Poster Doors


Banda Sonora : The Unknown Soldier – The Doors

sábado, julho 16, 2005

As rosas quentes de Ryan Adams

Ryan2


Hoje, talvez levado pela última música que aqui deixei, volto a Ryan Adams, actualmente um dos músicos que mais ouço, e sempre com grande prazer.
Até ao fim do ano, Ryan tem programadas edições de dois cd’s, o que tendo em conta que já editou Cold Roses, um cd duplo, em Maio, é obra.
Três cd’s num ano, quando outros autores ou grupos demoram normalmente um ou mais anos para adicionarem novo trabalho aos anteriores, dão bem a ideia da fecundidade criativa deste jovem músico (nasceu em 1974), que à quantidade alia uma inegável qualidade.
O ex-lider dos Whiskeytown, um grupo de country-rock interessante com o qual gravou 4 cd’s, em 2000 decidiu-se por uma carreira a solo, e desde então, balançando entre a canção mais intimista e o rock de garagem, nunca conseguindo esconder as suas raízes country, tem feito alarde do seu talento, que parece inesgotável, editando, no mínimo, um cd por ano.
É curioso que, e embora de uma escola completamente diferente, esta sua facilidade em escrever novas canções e compor novas músicas, me recorda o extraordinário Frank Zappa, génio que se foi há quase 12 anos, mas cuja obra perdurará para sempre.
A obra de Ryan não é porém linear na vertente qualitativa.
O seu 1º álbum, Heartbreaker, é uma obra gentil, romântica, salpicada de melodias muito country&western, e se o nível atingido foi elevado, com o 2º, Gold, atingiu a quase perfeição, com faixas notáveis como La Cienega just smiled, New York, New York ou When the stars go blue, a fazerem pensar quem ouvia o álbum, que dificilmente o autor poderia ir mais além.
De certa forma, o álbum seguinte confirmava-o, Demolition não tem nada de assinalável, e o 4º, Rock’n’Roll, naquilo que se pensou ser uma inflexão definitiva de Ryan nos domínios do rock puro, embora com alguns sinais de recuperação, não dava a quem esperava pela volta do “good old” Ryan, uma satisfação muito elevada, embora criasse algumas expectativas.
E em fins de 2003, princípios de 2004 sai Love is Hell(é estranho, mas o álbum seguinte foi editado em duas fases, Love is Hell part1 e Love is Hell part 2, sendo editado posteriormente um duplo que incluía os dois), e aí, a satisfação foi total pois a obra é fascinante, e contém algumas das jóias mais reluzentes da obra de Ryan, como This home is not for sale, Avalanche, ou uma fabulosa versão de Wonderwall, dos manos Gallagher, que nos faz pensar como uma interpretação de qualidade e bom gosto, pode fazer toda a diferença.
É sem dúvida um álbum soberbo e que só teria seguimento à altura com o recém-editado Cold Roses, onde o autor volta às suas origens e retoma a sua linha country-rock, muito Nashville, por vezes a fazer lembrar o velho Neil Young, mas...a cantar sem aquelas desafinações que fazem de Neil um intérprete único e irrepetível.

Depois destas rosas nada frias de Ryan, resta-nos esperar pelo que nos irá ele oferecer mais, este ano, que será, como prometeu, um ano invulgar em termos de criatividade. Oxalá a qualidade corresponda. Até agora, assim tem sido.
RA HeartbreakerRA Love is HellRA GoldCold Roses


Banda sonora: Ryan Adams – La Cienega just smiled

quinta-feira, julho 14, 2005

Um mês depois...

Este espaço “dá” música há um mês. Nada de extraordinário no caso, um espaço de tempo relativamente curto e que não merece uma comemoração especial. Nem é isso que se pretende.
Tão só agradecer a quem passou por aqui silenciosamente ou deixou uma palavra de estímulo, e muito especialmente aos amigos e amigas que nos seus blogs, o linkaram ou referiram (por enquanto, este blog não tem links para outros, mas lá iremos)
Assim, o meu reconhecimento à Nina, à Wind e à Menina_Marota, à Luz e ao Sombrae a Cecília, à Lina e à Tecum, à Vague e ao Chalabi_Red, à Inês e à Stillforty, à Chavininha, Zaza e the Lady in this Side of the Room à Jacky e à Sofia, e a expressão da nossa vontade de vos ter cá durante muito tempo, para o que se tentará que o espaço melhore sempre.

E já agora, como hoje não há texto sobre música propriamente dito, deixo-vos com as aquisições mais recentes feitas pela administração da “rádio”
Cd’s

Maria McKeeCold RosesAndrew Bird


Maria McKee-Peddlin’ Dreams; Ryan Adams-Cold Roses; Andrew Bird-& the Misterious Production of Eggs


White StripesPaul Weller stanleyroadFotheringay


White Stripes-Get behind me Satan; Paul Weller-Stanley Road; Fotheringay-Fotheringay


DVD’s

Martin Scorcese presents the Blues


Martin Scorcese presents the Blues



Banda Sonora: Ryan Adams – Cold Roses



Nota - O Technorati nem sempre apresenta todos os resultados dos links queapontam para os blogs. Se houver algum que não estiver mencionado (na primeira listagem faltava-me o Errante, da Cecília), agradeço o alerta. Merci.

terça-feira, julho 12, 2005

Os Traveling Wilburys

Traveling Wilburys

Este é, para mim, um daqueles projectos incontornáveis da música anglo-americana, um amor antigo. Tanto, que tendo já falado dele no meu outro sítio, não resisto a trazê-lo aqui.
Em 1988, George Harrison decidiu pedir a colaboração de alguns dos seus amigos de sempre: Bob Dylan, Tom Petty, Jeff Lynne (ex-Move e Electric Light Orchestra) e Roy Orbison, para que colaborassem na gravação do B-side do single “When we was Fab”
O resultado foi surpreendente e de tal forma os músicos gostaram do que tinham conseguido em conjunto que decidiram conjugar talentos e fazer surgir um projecto colectivo a que chamaram Traveling Wilburys, e em que cada um deles, devido a dificuldades contratuais, adoptou um pesudónimo: Dylan era Lucky Wilbury, Petty tornou-se Charlie R. Wilbury, e por aí fora.
De tal concentração voluntária de talentos só podia sair algo de muito especial, e o álbum, a que chamaram Traveling Wilburys I, é uma colectânea de pequenas pérolas, onde cada um dos intervenientes tinham bem vincada a sua marca.
O álbum foi um sucesso e mereceu-o . Lamentavelmente, três semanas depois da sua edição, faleceu Roy Orbison, que não pôde gozar o sucesso do trabalho em que colaborara.
Dois anos depois, os músicos remanescentes, voltaram a juntar-se para gravar um segundo álbum a que surpreendentemente intitularam de Traveling Wilburys 3. Esta obra, embora muito agradável, não conseguiu atingir o brilhantismo do 1º, talvez porque a ausência de Roy se fazia notar sobremaneira.
Estranhamente, qualquer destes álbuns se encontram há muito descatalogados pelas editoras, pelo que conseguir um deles é quase uma aventura. Mas aconselho o esforço, especialmente em relação ao primeiro.
Até porque, se no 2º a ausência de Roy pesava, George Harrison, desaparecido entretanto, torna uma re-reunião, totalmente inviável

Traveling Wilburys1Traveling Wilburys3


Banda Sonora: Traveling Wilburys – Handle with care

sábado, julho 09, 2005

The London Howlin' Wolf Sessions, ou O respeito é sempre bonito

Na música, como afinal em tudo, a arrogância não paga. Ao invés, é a humildade em dose certa que permite manter a mente aberta ao conhecimento.
Vem isto a propósito da última estadia de Howlin’ Wolf em Londres, em 1970 . Nessa deslocação, o grande bluesman, um dos maiores da sua geração e infelizmente pouco divulgado por cá, encontrou-se por iniciativa da sua editora, a Chess, com alguns dos maiores músicos ingleses da altura: Charlie Watts e Bill Wyman dos Stones, Eric Clapton e Stevie Winwood. Os Stones atravessavam então uma fase de grande fulgor (na minha opinião, a última depois da trágica morte de Brian Jones em Julho do ano anterior), Stevie Winwood vinha de uma efémera experiência nos Blind Faith com Ginger Baker e Eric Clapton, e estava de volta à companhia de Jim Capaldi e Rick Grech nos magníficos Traffic. Mas sobretudo Eric Clapton, na sua fase “Layla”, ainda reconhecia em muitas ruas de Londres os graffitis que diziam que “Clapton is god” e ainda envolvido no seu projecto, Derek and the Dominos, preparava-se para, de uma vez, enveredar pela carreira a solo.
Todos eles, portanto, no auge das suas carreiras, embora haja quem afirme que Clapton nunca seria o mesmo depois da separação dos Cream.

Desta reunião saiu um álbum notável. Wolf era uma força da natureza, daqueles músicos que conseguia “to rock the house” e estava ciente do seu valor, embora a sua carreira tenha sido algo irregular, e na altura a saúde já fosse precária.
Mas o mais curioso deste álbum é a conversa que a meio se estabelece entre o próprio e Clapton e os outros, a propósito de um clássico dos blues, Little Red Rooster, e mais curioso ainda a forma como Clapton, não deixando de emitir a sua opinião, pede indicações ao “mestre” com a humildade de quem sabe que nunca se sabe tudo, dizendo-lhe para tocar ele, que eles o seguiriam.
Hoje, deixo-vos esse momento, e também a sequência, a música tocada por todos, sob a batuta de Howlin’. Claro que a guitarra de Clapton e o piano de Winwood são absolutamente inconfundíveis.

Howlin' Wolf London sessions


Banda sonora: Howlin’ Wolf, com Clapton, Stevie Winwood, Charlie Watts e Bill Wyman – The London Sessions:
Conversa


Little Red Rooster

quarta-feira, julho 06, 2005

Mr. Tambourine Man

byrds


Em Julho de há uns bons anos atrás, saía um disco que abriria novos caminhos à música popular, uma mistura de folk electrificado, a que chamaram de folk-rock. A música era uma versão de uma canção de Dylan, Mr. Tambourine Man, e era executada por um grupo histórico, os Byrds. Oriundos de um género musical muito próximo do génio de Minnesotta, nos primeiros tempos fizeram várias versões de canções suas.
Os Byrds, liderados por Chris Hillman, Roger McGuinn e David Crosby, teriam uma carreira extremamente rica e inovadora. Como já assinalei aqui, há entendidos que dizem ser deles a primeira música psicadélica, Eight Miles High, canção que esteve algum tempo interdita em muitas estações de rádio dos EUA, alegadamente por incentivar ao consumo de drogas. É curioso que na época, estes incidentes e outras lendas estranhas aconteciam com alguma regularidade. [Sucedeu com Lucy in the Sky With Diamonds dos Beatles (as iniciais da canção eram L.S.D., logo o incentivo ao consumo seria, na opinião dos moralistas da época, mais que uma coincidência)].
Tiveram canções de top, como Turn!Turn!Turn!, uma adaptação do livro de Eclasiastes de Pete Seeger, ou Mr. Spacemen, mas também álbuns de grande qualidade como The Notorious Byrds Brothers, Sweetheart of the Rodeo ou So You Wanna be a Rock’n’Roll Star, ao mesmo que se verificavam as saídas de alguns dos mais influentes membros do grupo, das quais a mais notória seria a de David Crosby, que formou com Stephen Stills, dos Buffallo Springfield, e Graham Nash, dos Hollies, o muito celebrado Crosby, Stills and Nash, posteriormente alargados com a entrada de Neil Young.
Apesar das convulsões, firmou-se com um dos maiores agrupamentos da segunda metade dos anos 60 e com os irmãos Parsons, Gene e Gram, a liderar, acabaram por enveredar por um estilo mais country, muito escutado na altura.
A importância do grupo, está bem espelhada nos inúmeros grupos que inspiraram, alguns tão importantes como os Eagles ou os Poco, e chega mesmo a estender influências a R.E.M ou Tom Petty.
Importante também, o facto de que, com o Mr. Tambourine Man, ganhei um de 5 Ep’s num concurso que na altura, o Em Órbita organizava diariamente.
Mas isso é outra história

Cartaz Byrds


Banda sonora: Mr. Tambourine ManThe Byrds

domingo, julho 03, 2005

Like a rolling stone

Pelo ido Junho de 65, Robert Zimmermam aka Bob Dylan, natural do Minnesota, gravava aquele que seria uma das mais marcantes obras dos anos 60, “Like a rolling stone”.
A música espantou os que a ouviram pela primeira vez, porque pela primeira vez também uma canção popular excedia os 3 minutos, até então padrão máximo limite, tacitamente aceite por todas as gravadoras. Mas não só. Os puristas demoraram a perdoar a Dylan a introdução da guitarra eléctrica na sua música, até então um misto de folk e balada contestatária.
O meu travar de conhecimento com Dylan foi curioso. Primeiro, conheci algumas das suas canções em versão francesa, cantadas pelo Hughes Auffray – nessa altura o nosso isolamento cultural era atroz, e tudo o que fosse francófono chegava-nos com muito maior rapidez que o que falava inglês (as grandes publicações sobre música à venda eram o Salut les Copains e posteriormente, o Rock&Folk, ambas francesas, e eu só conseguia a Fab, inglesa, com grandes dificuldades)- depois, comecei a ouvir Donovan, que se dizia que era uma imitação inglesa de Dylan, e eu sem conhecer o original.
Só mesmo quando ouvi o Times, they are a’changing, a tal canção que soou mais ou menos como presságio, como muito bem escreveuJoão Lisboa no caderno Actual, do Expresso duas semanas atrás, num excelente artigo em que aborda o assunto.
É que os tempos mudaram mesmo. Não foi só o rock, com o psicadelismo a fazer a sua aparição. A geração hippie vinha a caminho, as lutas contra a discriminação racial nos EUA agudizaram-se e a contestação à guerra do Vietname atingiria o auge. E as palavras de Dylan, como de outras personalidades das letras e da música, tiveram importância decisiva nesse despertar de consciências
Por causa do Like a rolling stone, por cá sucedeu um episódio caricato. O Em Órbita divulgou o disco em 1ª mão, os produtores do programa tinham-no trazido de uma viagem, suponho, a Londres, e nessa mesma noite, a 23ª Hora, que era um programa muito ouvido da Rádio Renascença, fazia a reprodução da mesma, mas com uma qualidade duvidosa, que dava a sensação de ser, não um disco a tocar, mas uma fita de gravação. Para cúmulo, o locutor anunciou com pompa:
- Agora, a última canção de Bob Dylan, Like a rolling stone, que em português quer dizer Eu gosto dos Rolling Stones.
Era ridículo um músico como Dylan gravar uma canção a louvar um grupo, qualquer que ele fosse, e aquela tradução literal tornava o caso anedótico. Aliás, nem me parece que qualquer cantor ou grupo o fizesse.


Claro que o absurdo foi denunciado na emissão seguinte do Em Órbita. E o locutor, muito conceituado por sinal, teve a humildade de telefonar a pedir desculpa do incidente. Nunca se soube é se a canção tinha sido gravada da emissão do Em Órbita. Mas as coincidências eram muitas.
Voltando á música, foi posteriormente a ser editada em single como era normal na altura, incluída no LP Highway 61 Revisited, que eu considero, a seguir a Blonde on Blonde, o melhor álbum de Dylan.
Uma nota final, para dizer que na minha opinião, é o aparecimento de Dylan que torna a palavra, primordial na música popular.
Banda sonora: Like a rolling stoneBob Dylan